A metamorfoice
(parte 1)

NUMA MANHÃ, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Soros, também conhecido como George Samsa, encontrou-se metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, quando levantou um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado e marrom, dividido em segmentos arqueados, sobre o qual o negro edredon de seda chinesa deslizara ao chão, dada a falta de aderência de sua nova e asquerosa forma. Ante a visão surreal, ficou chocado; suas perninhas em vários pares mexiam-se incontrolavelmente, de uma forma bizarra e repugnante. “O que terá acontecido comigo?”, indagou-se, confuso. Ao mirar seu reflexo no enorme espelho veneziano da parede defronte, ficou estupefato com a aparência grotesca que assumira.

“É uma tragédia! Que horror!”, pensou. Estaria delirando? Seria um sonho dentro do sonho? Pois tivera pesadelos recorrentes nos últimos tempos, porém, com nada parecido. Permaneceu imobilizado na cama, sem saber em quê pensar, atônito, mudo. Dores agudas nunca sentidas percorriam-lhe o interior da carapaça rígida e oleosa, cuja estrutura mostrava-se lustrosa ao refletir a luz da janela.

“Mas… justo agora? Agora? I-isso é, é… horr-horrível”, gaguejou. Gregor S. tinha acessos de gagueira quando ficava tenso ou ansioso. Sua preocupação tinha motivo: caso aquilo fosse real e não um sonho trágico, podia tornar-se sua ruína, ele que acabara de sair na capa da última Forbes como o maior bilionário do mundo. Entrevistas coletivas estavam programadas. No dia seguinte seria entrevistado no mais prestigiado talk-show da televisão. Tornava-se a mais nova celebridade do mundo corporativo e não era por menos: naquela época haviam pouquíssimos bilionários no planeta, contavam-se todos nos dedos das mãos. E justamente ele tornava-se agora o maior de todos!

O que dizer? O que fazer? Seria uma desgraça, um escândalo monumental. As ações de suas companhias fatalmente desabariam se a notícia se espalhasse. Seus inimigos, que não eram poucos, teriam um trunfo espetacular nas mãos para levá-lo ao fracasso e eles não o poupariam de nenhuma maneira. Não era possível, só podia estar sonhando. Não podia, não podia ser real tudo aquilo!

*continua na parte 2

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