GREGOR SOROS passou todo aquele dia enclausurado em seu aposento. Ele, que sempre tivera respostas rápidas para as situações mais complexas, não encontrava explicação para o acidente que lhe acometeu. À hora do desjejum, a criada chamou-o junto à porta, duas batidas leves: como não ouvisse resposta imediata, retirou-se, sabia que não devia importunar. Gregor S. não sentia fome naquele momento, sua aflição tirou-lhe todo o apetite.
Rastejava-se pelo quarto, de um lado para outro. Por sorte o ambiente era amplo, uma confortável suíte bem equipada que permitia a qualquer um passar muitas horas ali, aposento digno de um bilionário. Estava angustiado, com mil perguntas e preocupações atordoantes na cabeça: o que lhe sucedeu afinal de contas, como aquilo teria acontecido, como se adaptar à situação, se se tratava de um mal temporário, como driblar os executivos e sócios-investidores da holding se acaso perguntassem por ele, como dirimir os efeitos de um vexame absurdo; e em casa, como apresentar-se daquela maneira ao filho e à mulher quando voltassem da viagem à Grécia, o que dizer a ambos; claro, como ocultar o escândalo da imprensa e, principalmente, que medidas tomar rapidamente para reverter o quadro com o menor dano possível.
Após quatro horas remoendo e analisando alternativas, sentiu-se mais aliviado. Retornou-lhe o apetite. Felizmente, Gregor S. ainda conseguia falar, se bem que num fraco volume; a voz saía-lhe comprimida, vagamente metálica e distante, como se alguém lhe apertasse o pescoço quando em seu corpo humano original. Rastejou e equilibrou-se junto à porta, erguendo-se pelas patinhas que agarraram-se bem à parede. Conseguiu alcançar o interfone, e com muito custo empurrou o botão com sua cabecinha achatada e falou: deu ordem à criada que deixasse a comida na bandeja em frente à porta, que batesse três vezes, deixasse-a entreaberta e não perguntasse por ele. Bem treinada, a criada fez exatamente como ordenado, estranhando um pouco a princípio, mas deu de ombros instantes depois; afinal, aquela não foi a primeira vez que o patrão cometia extravagâncias inesperadas.
A operação saiu como calculado, o que deixou Gregor S. satisfeito. Talvez fosse um bom presságio. Talvez as coisas se reencaixassem aos poucos e tudo não passasse de uma crise momentânea. Então, usando a cabecinha, arrastou a bandeja para dentro do quarto e comeu, aos bocadinhos. A criada preparara o tradicional sanduíche de pastrami e o leite com mel de todas as tardes, de que ele tanto gostava. Mas a refeição não teve gosto absolutamente nenhum: tudo que lhe entrou pela boquinha ou seu equivalente teve uma consistência pastosa e insossa, semelhante a mastigar banha vegetal. Perdera o paladar. Pior, o bolo alimentar ingerido movia-se como algo vivo dentro de seu corpo, expandindo-o; ele sentia todo aquele movimento, como se a coisa adquirisse vida própria dentro de si. Não resistiu. Aos engulhos, expeliu o conteúdo ingerido junto ao canapé, e a expansão de sua estrutura corporal provocada pelo alimento causou-lhe dores e câimbras até tarde da noite.
*continua na parte 3