A FIM DE não prolongar muito o relato e causar enfado, registre-se que Gregor Soros conseguiu driblar engenhosamente as dificuldades iniciais de adaptação ao seu novo aspecto repugnante. Mulher e filho, após o choque inicial e todas as reações correspondentes, por fim condoeram-se da situação. Passaram por fases alternadas de pavor, nojo, negação, raiva, desespero, mas enfim começavam a resignar-se. Gregor Soros construíra um núcleo familiar muito sólido, e este foi seu teste decisivo. Com ajuda do terapeuta de confiança da família — que tinha com eles há muito um contrato de absoluto sigilo e confidencialidade — ambos, esposa e filho, aos poucos aprendiam a lidar melhor com o problema e empenharam-se em buscar juntos a solução. O histórico familiar era favorável, o que os deixava esperançosos: inúmeros desafios foram superados até ali e certamente aquele não seria diferente.
Medidas de contingência foram tomadas a fim de preservar a privacidade familiar e evitar possíveis escândalos midiáticos: o departamento de relações públicas da holding, cuja diretoria fora orientada diretamente pela esposa de Gregor Soros, convenceu os acionistas e a imprensa, por meio das agências de notícia do grupo, de que ele despacharia de sua residência a partir de então. Comunicou que o investidor tivera um mau súbito, mas que estava tudo sob controle. Estava em ótimas mãos e cumpria apenas ordens médicas. O timing foi oportuno e preciso, pois até o momento nenhuma especulação ou suspeita fora levantada.
Os órgãos da grande mídia tocaram no assunto apenas por alto, especialmente porque, afinal de contas, o sr. Soros era ele mesmo um importante acionista daqueles impérios da comunicação. E as concorrentes, por sua vez, não queriam ficar mal com o bilionário e perder possíveis patrocínios. Todas as redações, portanto, estavam devidamente orientadas pela alta direção a não gerar qualquer sensacionalismo em torno do repentino “sumiço” — já que ele se ausentara de todos os compromissos naquela semana — e a não divulgar nada sem o consentimento prévio da família. Tudo foi acatado sem sobressaltos. Na pior das hipóteses, caso algum boato vazasse na internet, cumpria àqueles veículos valerem-se de sua credibilidade para desmenti-los um a um, tratando-os como meras teorias da conspiração. Ademais, o departamento jurídico estava atento e tomaria as medidas judiciais cabíveis, caso fosse necessário.
Parecia que as coisas andavam mesmo sob controle. Gregor Soros, entretanto, dividia-se entre o alívio que sentia por encontrar tais arranjos temporários e a inconformidade pelo seu infortúnio pessoal. Queria respostas. Como, perguntava-se, como diabos aquilo pôde acontecer? E porque justo a ele? Apesar do bom tratamento recebido pela família e pela obediente criadagem, e apesar de sua fortuna muito bem administrada não recuar um tostão sequer, ao contrário, aumentou e proporcionou alegria aos acionistas naquele trimestre, apesar disso tudo crescia em Gregor Soros uma revolta difusa, uma raiva amarga e uma angústia por entender que não merecia semelhante castigo.
Conversava com seu médico — e único confidente — a respeito de seu drama. Não era possível, inquiria, como não haveria nenhum caso parecido por aí? Decerto fosse alguma nova doença ou epidemia que desembarcara no país, como a AIDS nos anos 70. O dilema era que, para escarafunchar casos semelhantes mundo afora, cabia a ele dar o start. Seria o primeiro case, justo ele? Submeteria-se a testes científicos, uma ilustre cobaia, em laboratórios de que ele mesmo era um dos sócios? Impossível. Seria uma enorme temeridade. O segredo deveria manter-se a sete chaves, a qualquer preço.
Quando refletia com a fria racionalidade costumeira, Gregor Soros imaginava portar alguma anomalia rara em seu DNA, que alterara-lhe radicalmente o código genético. Em momentos de paranóia, porém, imaginava-se vítima de algum experimento científico secreto muito bem arquitetado por seus inimigos. Quem sabe envenenamento? Serviços secretos de certos países onde sua figura era indesejada eram peritos nisso. Puxava pela memória possíveis bebidas estranhas, almoços e jantares suspeitos, situações atípicas no passado recente. Buscava rostos e nomes, ciladas despercebidas e no entanto nada nem ninguém vinha-lhe à cabeça de que pudesse suspeitar. Como num quebra-cabeças incompleto, as peças do buraco em que se metera não se encaixavam de jeito nenhum.
*continua…