A nova mania

CHAME de implicância se quiser, mas acabo de detectar uma nova mania: o tom professoral. Muitos parecem dar aula ao falar com os outros, com didatismo e autoridade de especialista. Opiniões, impressões, o bom e velho achismo? Que nada: o negócio agora é ser peremptório. É ensinar. Sintoma disso é o uso disseminado da interjeição “entendeu?” no fim das frases. Ninguém mais pergunta “concorda?”, “não é?”, “o que acha?” Não: querem certificar-se de que você “entendeu”. Sim, professores, entendi.

Sinal dos tempos. Quanto mais desorientado anda o país, mais entendedores surgem do nada, do thin air. Outro dia mesmo, no supermercado (supermercados são excelentes locais de observação comportamental e sociológica), pois bem, estava no corredor de vinhos, escolhendo um exemplar baratinho mas não muito sem-vergonha, quando um cidadão com uma garrafa em mãos sentencia a outro que o acompanhava: “você não tem experiência” — plaf! imagino o golpe da palmatória — “você precisa sentir o sabor na língua: no começo parece gosto disso, no final vira sabor daquilo etc.” Caramba, um sommelier ali ao lado. E o distinto modulava o tom estrategicamente para que outros o ouvissem, ou para o único outro presente — no caso, eu mesmo. Saí antes que ele entrasse no quesito harmonizações.

Outra vez, no metrô (outro lugar excepcional para observar tipos humanos), sento-me ao lado de uma mulher. Fala alto ao celular (incrível, só meu celular não funciona no metrô. A inconveniência deve potencializar o sinal). “…sabe, é que ele não tem visão de negócio! É! Ele não tem visão de negócio. Sabe nada de estoque, de fornecedor, pagar funcionário… não é assim, não! Precisa visão de negócio!” Puxa, ela gosta dessa expressão. Seria uma megaempresária disfarçada? Digo, um tanto encabulado, que apesar de ter cursado administração e marketing, lido Drucker e Kotler, ainda não tive visão de negócio. Vergonha. Devia aprender com a mulher do metrô.

Pensa que acabou? Passava numa calçada desses espigões corporativos todo envidraçados (eu sempre imagino esse troço levantando vôo rumo ao espaço, deixando o solo com toneladas de barro e grama caindo aos blocos) e lá, numa rodinha, um garoto com jeito de estagiário, discorrendo sobre preferência política, presumo, crava: “sou capitalista liberal!” Uau! Estava ao lado de um jovem dono dos meios de produção. Quase volto e peço uma grana pra ele. Decerto não me negaria, pois apesar de capitalista, era liberal.

A última, prometo. Em frente a uma padaria chique, rapaz e moça (ambos muito elegantes) conversam. O rapaz fala à moça que não come pão “porque o carboidrato não é bem metabolizado pelo corpo”. Deus do céu, isso é grave. Em toda minha vida nunca vi maldade num pãozinho quente. Como o rapaz descobriu isso? Vai saber. Pessoalmente, acho uma calúnia ao carboidrato que nem estava ali pra se defender.

Bom, são amostras do “professorismo” atual. “Ah, mas e quanto a você?” — perguntaria um cricri. “Vai dizer que nunca falou nada em tom didático, professoral, também?”

Talvez sim, pode ser. No entanto, que eu perceba, em noventa e nove por cento do tempo fico quietinho da Silva, sabe? (literiariamente não conta, o meio é a mensagem e tal). Por outro lado, se alguém me “ensina” algo, logo concordo, pois é a melhor forma de não prolongar uma conversa chata.

O caso é que não sei lá muuuita coisa, só de algo aqui e ali. E, pasmem, por incrível que pareça nunca ninguém me pergunta nada, ninguém sequer beberica da minha parca sapiência! Claro que estão perdendo (sinta a modéstia), mas fico na minha. Fazer o quê? Enquanto isso, continuo lendo meus livrinhos, escrevendo umas bobagenzinhas por aí. Mas nada de sair dando aula, porque pelo jeito, professor no Brasil é o que não falta.

*Ilustração: Matt Cunningham

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