Festas

Eu não gosto de festas.
Nas festas, é regra fingir alegria.
Há que sorrir, mesmo sem querer.
Há a obrigação de ser sociável.

Não. Digo “não” a ambientes artificiais.
Se for a festas, serei um personagem.
Farei tipo, um horror:
Sei que sou péssimo ator.

Por outro lado, gosto de alegria:
Alegria natural, quase boba.
Gosto daquela risada espontânea,
gostosa, do dia-a-dia.

quinze

quem vê meu rosto, hoje,
pensa que sou mais velho:
é que pensei demais.

por muitos anos
pus sobre os ombros
a obrigação da great performance:
o velho dever masculino
de ser bem-sucedido.

— ao diabo com tanta gravidade!

quero poder errar e rir,
errar e rir como uma menina
de quinze anos olhos azuis cabelos pretos.
dela, nada se espera:
a vida dela é leve e bela.

Centro velho

Detenho-me numa esquina do centro velho.
Observo pessoas, fisionomias…
Rostos graves. Rostos aflitos.
Rostos com fáceis alegrias.
Rostos, vários: parte visível de almas
Exprimindo coisas que eu não sabia.

Penso nos antigos que aqui andaram
Quando este lugar não era velho.
Quando era apenas centro.
Quando era apenas lugar.
Centenas de anos atrás…

Por cá passaram outros rostos aflitos.
Rostos alegres. Rostos graves.
Crianças brincaram em torno,
como se tivessem a eternidade em si.
E tinham: eternidade não percebida
envolvida em riso e brincadeira.

Mil tribulações trazem os homens
Que passam apressados no centro velho.
Outros riem, só riem: têm nada a perder.
Crianças de hoje como as de outrora, felizes,
passeiam contentes na velha calçada
Gastando o viço que merecem ter.

Séculos foram-se e o centro ficou:
Milhões de homens aqui pisaram.
Milhões de crianças aqui brincaram.
Faces e dramas se repetiram:
As almas humanas nunca diferiram.

Que curioso esse lugar antigo…
Quer por ele passe carranca, quer riso,
Ele não passa duma brincadeira
Simples pedaço de existência humana.

Quem sabe amanhã, alguém veja assim
E preste atenção ao que noto agora.
Quem sabe amanhã, quando em silêncio,
longe desse centro, nem mais der por mim.

A mulher
potente

A mulher potente prepara o cabelo, preenche a bolsa
põe o sapato, aperta o passo, passa firme
fere o piso, num porte convicto

A mulher potente, forte e altiva
é bem preparada. Ela não projeta
a fragilidade ridícula
da mulher antiquada
de face ingênua e enrubescida:
não, a mulher potente não.

Ela é mais que mulher, mais que homem
ela manda no homem, ela manda em tudo, ela pisa no mundo
ela pisa na vida, ela sobe no salto
e prorrompe a doutrina
incontestável.

A mulher potente não se submete
não obedece a ninguém, não senhor:
a todos impõe seu poder
até o sol se pôr…

…e então, recolhe-se.

Diminuída, desnuda-se.
Só, olha seu corpo em pele no espelho
lava seu rosto e o vê como de fato é:
cansado
da postura postiça diária.

Ela não sabe bem quem é.
Ela não mais se reconhece.
Provou ao mundo sua eficácia
convenceu e venceu, ela:
por implacável competência
por inexplicável capacidade.

Porém, a mulher simples nela
a substância mulher
acha-se encolhida
e chora, abaixada:
sente uma tristeza…
um frio interno
a alma gelada
o coração oco…

Uma mulher que não foi mulher.
Que não foi feliz.
Que não foi ninguém.

A mulher potente que ao homem humilhou
e fez no mundo o que quis
prisioneira da própria potência
hoje detesta o que se tornou.

Como é
difícil…

Numa manhã, despertei mesquinho:
Queixei-me, então, de vãs mazelas.
Mas, afinal, o quê são elas?

O sol está lá e sempre estará:
Dá o calor, o alimento a crescer.
O ar está aqui e está acolá:
É desnecessário aparecer.

Aqui há roupa, comida e abrigo.
Aqui por ora inda há vigor físico.
Estendo a mão e posso pegar:
Quanto é que vale meu polegar?

E os luxos banais, alguns nos quais
Nunca é preciso pensar?
         Água tão limpa
         Chuveiro quente
         Cama e colchão.

E não consigo me contentar:
A vida é eterna comparação.

É preciso mais, quando há demais:
Pura vaidade, minha constituição.

( .   .   . )

Há o mal no mundo
         Sempre haverá.
Injustiça a sofrer.
         Privação surgirá…

Contudo, fique eu satisfeito:
O Criador muito fez por mim.

Como é difícil pensar assim.
Como é difícil…

Como seria?

E, se além de nós nada mais existisse
Se não houvesse o natural verdejar
A imensidão da água no mar
Como seria?

Se não houvesse a raiva, o amar
Não nos viesse algo a pensar
Como seria?

Se não houvesse o certo, o contraditório
Nada a saber, tocar, sentir ou olhar
Como seria?

Se não houvesse hoje, amanhã, tempo algum
O quê mais haveria?
O quê existiria?

Se a idéia de idéia não fosse entendida;
Se a própria existência não fosse apreendida
O quê mais seria?

Eterno sono, sem saber que é sono
Sem jamais acordar…
Como seria?

Quem soubesse as respostas, tudo saberia
Mas, saber tudo isto
Como seria

Dias de sertão

Comi paçoca batida em pilão
Galinhada à lenha do fogão
Saudade me deu, foi tempo bom…
Cobra coral saltei no mato
Bagre e rã peguei no riacho
Comi farofa de tatu bola
Carne de bode assada, no tacho
Estaquei branco ao ver um teiú:
Aquele grande, quem já viu um?
Banhei debaixo da cachoeira:
Eita, delícia de água gelada!
E as cocadas? De imbu, buriti…
Morei ali, sertão baiano
Jesus, obrigado, eu já vivi!

Centro da cidade

Percorro do centro da cidade as ruas:
Que formigueiro de criaturas!
Um milhão de cores, de estaturas
Sportswears baratos, por todos trajados:
Da função primária deslocados, em portes inadequados.
Os smartphones, sempre empunhados,
Feito uma arma ou talvez companhia:
Que estúpidas conversas esse invento propicia!

Aqui, há um homem-máquina, geométrico, linear…
Dali, uma moça desfila a banal sensualidade de cada dia…
Ao lado, uma senhora aflita, a atormentar-se com quase nada…
Acolá, ouve-se um falar malandro dum pobre-diabo
Com suas pseudo-vitórias a relatar…

— Por Deus, será feliz essa gente, será?

Qual seu propósito, o quê as move, o quê pretendem, constroem?
Se morressem hoje, quem lhes choraria?
E na lembrança, o quê deixariam?

(…)

Tudo nesta cidade me parece compacto.
Caótica, tribal, moderna dança…
Não sei, afinal, quem é bom ou mau,
apenas espantam-me os detalhes:
As gentes me espantam, qual a uma criança.

Ó tempo, leva-me

Ó tempo, leva-me em tuas asas prateadas
Onde além de lembrança, haja abrigo
Tempo de prosas desapressadas
Mútuas confidências e reais amigos

Leva-me até a campina orvalhada
Junto a regatos, sussurro e assobios
Molharei os pés no frescor de tais águas
Saciarei a sede nos pequenos rios

Transporta à época, minh’alma pede,
Da gente simples, de falar gentil
Das casas onde sempre houve prece
Família à mesa e riso infantil

Ó tempo ingênuo, nunca mais se viu!
Época plena de intensidade
Quando se era feliz de verdade
Ó tempo, leva-me àquele Brasil!

Um santo

Deveras, um santo conosco andava
Naqueles dias, quem o saberia?
Seu puro semblante um brilho mostrava
Santa caridade calada exercia

O tempo dispunha, ouvia e ajudava
Mão estendeu a quem o mundo esquecia
Quieto e recluso, por vezes chorava
E não lamentava a dor que sentia

Imenso bem ele proporcionava
Mas, humildemente, nunca o media
Discreto e símplice, apenas doava
Justiça ou bondade a si não pedia

Sua força, pequena, toda empenhava
Do que tivesse sempre repartia
Um galardão, singelo, aguardava
Grã-recompensa era a dele, sabia

Pude conhecê-lo, o santo aqui estava
Se de santidade eu nada entendia
Agora percebo o quanto ele amava
Testemunhei como um santo vivia