Professor Bandeira,
reli meus poemas:
achei-os, assim,
à toa, à toa…
mas depois vi
os do vivier
então, concluí:
fiz só coisa boa
Professor Bandeira,
reli meus poemas:
achei-os, assim,
à toa, à toa…
mas depois vi
os do vivier
então, concluí:
fiz só coisa boa
Para nós, a sós
inexiste o tempo:
medível, contável
Há tão-somente
suave mistério
incontrolável
Possuímos parte
da eternidade
em movimento
Não temos forma:
somos ar, somos gás
liquefazemos
Não somos dois:
somos, apenas
acontecemos
Pura presença
verbo e luz
auto-existente
Sangue pulsante
semi-sufocante
em nós latente
Há algo agora
que não se pode
denominar
Falta-nos termo:
chamemos de amor
chamemos de amor
só por nominar.
Numa tarde comum Fabiane saía
e só pedalando, em nada pensava.
Singela e tranqüila, quem imaginaria?
Grande tragédia por ela esperava…
Lá pelo bairro sorria e acenava,
em lúdica andança. Ela não cuidava
que algo tão simples desencadearia
tal bárbara horda, que a vitimaria.
Quando uma fruta, inocente, ofertava
a um pequeno, assim deflagraria
a fúria de bárbaros, que lhe assassinava.
Com ódio monstruoso, a turba imolava
a moça indefesa. E a quem não merecia,
o bem mais precioso, sua vida, doava.
Meia dúzia de valentes
manobram a massa nacional
E em vilania, projetam domínio
De abrangência clara e geral.
A massa não pensa: transfere o que é seu.
A massa pede mão forte: terá o que quer.
Auto-sabotada, será controlada
Por leis estúpidas de sinistros fins
Que a meia dúzia de valentes
Não cessa de produzir.
A massa não pensa: transfere o que é seu.
A massa pede mão forte: terá o que quer.
A meia dúzia de valentes, por ora
Canta aos ouvidos da massa:
Seduze-a, suborna-a, entorpece-a; a massa retribui.
A meia dúzia comprou a massa: pouco custou.
E lhe moldará, molhada argila: como desejou.
A massa, de súbito, quererá reagir: será tarde.
A massa pediu mão forte: obteve o que quis.
A massa transferiu o que era seu.
A massa não pensou.
Menos palavras últimas,
frases que esgotem assuntos:
valsas de elefante.
Mais empatia:
amar ao próximo
sem odiar ao distante.
Mais serenidade,
mais conversa boa,
mais bolo gostoso,
mais sinceridade,
mais alma leve,
mais inspiração.
Eu preciso, tu precisas, eles precisam, nós precisamos:
saber sorrir,
saber olhar,
saber sentir,
saber medir,
saber. Amar. Ser.
26/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
Atingir a forma ideal,
ir à essência do ser
no ato mesmo de escrever:
leitura transparente.
Escrever por simular
alguém que não sou,
falsear a verdade,
e criar falsa impressão?
Emular em mim teatro,
ópera-bufa, dramalhão,
mambembe encenação?
— Não.
Tenha a escrita minha
sinceridade e pulsação,
letra pura e alma nua,
sem qualquer afetação.
Desafio pra uma vida,
eis aqui a decisão:
quem vier a ler minhas linhas
leia ali meu coração.
Define “medíocre”,
e crê que assim,
só por definir,
excluir-se-á
da definição.
Mas não consegue
humilde recuo,
medir a si mesmo
e afinar o tom.
A cidade é uma caixa de brinquedos:
Cheia de pecinhas e bonequinhos.
Quem é o dono da caixa?
O dono mete a mão na caixa, bagunça as pecinhas,
chacoalha os bonequinhos.
E arruma de novo, pra mexer depois.
Do jeito que quiser.
(Há outros donos, de outras caixas.
Muitos nem mexem em suas caixas, e elas ficam lá.
São donos cujos pais são bem velhos.)
Às vezes, o dono da caixa de brinquedos
chama outros garotos pra brincar:
eles estragam pecinhas, perdem bonequinhos.
A cidade é essa caixa.
Quem é o dono da caixa?
O dono quis pôr a Natureza na caixa,
mas ela não coube.
Couberam pecinhas e bonequinhos, apertados.
A cidade é essa caixa.
Quem é o dono da caixa?
Homem gosta de mulher pelada porque é machista.
Mulher fica pelada porque é feminista.
Homem gosta de mulher pelada porque não a respeita.
Mulher fica pelada porque se respeita.
Homem gosta de mulher pelada porque é alienado.
Mulher fica pelada porque é engajada.
Homem gosta de mulher pelada porque é opressor.
Mulher fica pelada porque se libertou.
Motivações variam. O que nunca varia é mulher pelada.
23/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
SUSTO! Estaco.
Vulto cinza. A ordem:
– Passa rápido vai vai vai.
Oco e nada:
Sangue: some
Reflexo: congela
Pensamento: foge.
O braço, mecânico: entrega.
O vulto cinza: pegou correu sumiu.
Acabou? Acabou.
Pensamento volta.
. . .
Isto aconteceu? Aconteceu? Aconteceu.
Perdi. Dane-se o cálculo.
O tempo não volta.
Raiva ou alívio? Ódio?
Vontade de triturar carne e não existir.
. . .
O tempo não volta.
Deve estar rindo de mim, sei lá onde.
Venceu. Perdi.
O vulto cinza ganhou.
Não há porquê.
Estou vivo.
Aconteceu mesmo.
O tempo não volta.
21/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente