José Emanuel
Dias da Silva

José Emanuel Dias da Silva.
Nome comprido, RG curto: década de 60.
Planejava se aposentar.
Naquele dia, colocou a roupa, ajeitou a gravata.
Tomou o café. Silenciosamente.
Pegou o táxi e foi ao trabalho.
Igual todo dia.
Subiu ao andar, sorriu pra secretária bonita do chefe.
Falou bom dia.
Tomou cafezinho, comentou a rodada do futebol.
Riu.
Checou os recados em cima da mesa.
Listou as tarefas, terminou a de ontem.
Respondeu ao e-mail: digitou digitou.
Olhou para o lado, o peito apertado.
E, de repente, desmoronou.

.    .    .

— Enfarte do miocárdio.
José Emanuel Dias da Silva deu entrada às 9:20 no PS.
Às 10:30, faleceu.
Num dia normal, anormalmente.
O RH mandou circular lamentando o ocorrido.
À tarde, choveu.

21/6/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

O popular

O popular adentra o ambiente:
Fala frases feitas (e fala alto!)
Ocupa o espaço, rouba a atenção
Aponta o dedo, cutuca do lado
Quer ser o centro da situação

Ri de si mesmo, de velhas piadas
Dispara-as todas em repetição
Tenta perturbar quem estiver quieto
E de todo mundo requer adesão
Impertinente, se entende benquisto
E é só suportado, com educação

12/6/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

Canção
do Saber

Ninguém é o mesmo após saber algo
Nunca mais é, por mais que o queira…

.    .    .

Se menos soubesse, eu não sofreria
Se menos soubesse, não me faltaria
O que desconheço, e nem poderia
Pois o que não sei, por não saber
Em minha alma não existiria

.    .    .

Talvez seja este o preço a pagar
Por ver claramente a realidade:
A ninguém jamais poder explicar
Se já não há quem queira a verdade

.    .    .

Saber é fiar-se, é se amarrar
É pactuar com a Consciência
E para trás não poder voltar:
O Saber reflui, em reminiscência

Saber é riqueza, mas não recompensa
Tesouro no âmago, peça de museu:
Tem suma importância, tanto representa
Mas é velha História que amareleceu

.    .    .

Devia a infância ser época mágica
Tão pouco se sabe, viver é brincar
Apenas se vive a realidade
Sem jamais com ela se preocupar

Tudo que chega na infância, vivemos
Quando os anos passam, vem o recordar:
Por que em tais laços assim nos metemos?
E como aqui viemos parar?

.    .    .

Solução, talvez, seja o saber menos
E do que sabemos, só vivenciar
Toda parte boa, agradável e bela
Que a realidade, nem sempre tão dura
Capaz, assim, seja de nos dar

8/6/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

Seu Pedro,
um brasileiro

Conheçam Seu Pedro, homem atual
Mantém-se informado no telejornal
De tanto assistir, descobriu o mal:
“Propina, político e marginal!”

Seu Pedro aposta na Federal
E almeja voltar à cidade natal
Quando faturar o valor colossal
“Ah, se ganhar, alegria geral!”

Suspira em seu sonho habitual:
“Cidadão ilustre lá na capital
Distinto e grande seria afinal
Bem considerado, fará nada mal!”

Seu Pedro, retrato comum nacional
De mediocridade tão fundamental
Despreza político e marginal
Mas grana no bolso o faz quase igual

18/5/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

Casa americana

Quando vejo na tevê uma casa americana
É bonita, de madeira azul clara e porta e janela branca
Com um gramado na frente

A rua é calma e todo mundo sorri
Não tem subida ou descida, tudo é reto e plano
Diferente, diferente de tudo daqui…

Aqui a rua sobe e desce, a calçada é torta
Muita gente passa, quase ninguém sorri

Portão de chapa cinza cadeado cachorro que late
O carro é mais bonito que a casa de cimento grosso

Nada combina, nada está pronto
Violento de ver, feio de ver (que angústia)

Queria sair daqui…

Morar numa casa americana
De madeira azul clara e porta e janela branca
Onde todo mundo sorri
Onde o carro é bonito como a casa

Diferente, tão diferente de tudo daqui

17/5/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

Soneto
do alerta

A alma dentro em mim resguarda um pranto
No peito um grito aberto ao mundo clama:
“Ó néscios, despertai, lá vem a chama
Senão, durmam e acordem por espanto!”

E giram tresloucados, não percebem:
Matéria, bens, dinheiro, riso e fama
No espírito, se Amor não se derrama
Vereis, pois, se algum dia não vos levem!

É fácil dar de ombros, certamente
Rirem-se de meu apelo, em zombaria:
“Ah, paranóico és tu, completamente!”

Mas eis caminha a hora e velozmente
Sem falta o chorarão, à revelia
De quem vos alertou anteriormente.

17/5/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

Mulheres urbanas

Mulheres urbanas são felizes
Elas dizem que não, mas são

Desrefletem, adaptam-se
Vivem preocupadas sem preocupação
Assumem mil formas

Imiscuem-se em tudo que se pode imiscuir
Se é difícil, desgarram-se

Distribuem o peso do fardo, elevam-se
Sobrevivem e sorriem.

Mulheres urbanas são felizes (porque são leves)
Elas dizem que não, mas são.

10/5/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

Globalismo, rapidamente

Os homens brancos que mandam no mundo (poucos)
Querem destruir os homens brancos que não mandam no mundo (muitos)

Assim:

Jogam todo mundo que não é homem nem branco
nem hétero nem manda no mundo (também)

Contra os homens brancos que não mandam no mundo.

Para, afinal, destruí-los.

Sobrando, assim, os únicos homens brancos que mandam no mundo (sempre).

É o plano.
É só ler.
E pensar um pouco.

10/5/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente