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Sei que é contraditório e irônico postar isto justamente aqui, numa mídia digital, mas a falência da Abril ligou um alerta em minha mente. Na verdade, já vinha pensando nisso há algum tempo: a morte da comunicação impressa, especialmente revistas e jornais.
Constato que a comunicação em papel escapa do horizonte de toda uma geração emergente, quem dirá das próximas. Por exemplo, muitos jovens na casa dos vinte anos (arrisco dizer a maioria) nunca compraram uma revista na vida, exceto sob influência dos pais, na infância.
Mesmo onde trabalho (e trabalho numa mídia impressa!), numa conversa alheia, um “garoto” de 22 anos que ali trabalha disse nunca ter ouvido falar de “um tal de jornal Lance”. Eu, ouvindo à distância, fiz um facepalm mental: o garoto nunca, nunquinha na vida dele pisou numa banca e, se pisou, nunca comprou um jornal, ainda que não necessariamente o Lance.
Eu já comprei o Lance. Não muitos. Mas lembro de um, na derrota do Brasil para a França em 98, por exemplo.
Na verdade, eu vi o Lance nascer, em 1995, com um formato de tablóide europeu e com um projeto gráfico colorido que foi absolutamente revolucionário para a época, quando ainda os jornais eram todos em preto e branco. Para se ter uma idéia, a Folha de S. Paulo tornou-se colorida só no ano seguinte, em 1996.
Mas não falo isso por saudosismo ou nostalgia, embora haja algo disso sim. Meu ponto é este, sem rodeios: as redes sociais estão matando a inteligência, o senso temporal, o registro histórico, etc. etc. etc. Esse negócio de confiar seu registro e de tudo que acontece à sua volta a uma empresa como a do sr. Zuckerberg me parece loucura.
O garoto acima citado falou aquilo com certa naturalidade orgulhosa, como se não saber da existência de um jornal, mesmo trabalhando em outro, o colocasse na roda dos descolados, dos up-to-date de sua geração.
Esquisito esse orgulho da ignorância. Da minha parte, eu já amava publicações impressas mesmo no tempo da tevê, geração da qual faço parte. Sempre gostei de ler, e não apenas coisas muito relevantes, mas as corriqueiras também (aliás, quem diz só ler coisas relevantes não lê nada — como saber o que é relevante sem conhecer o irrelevante? — mas este é outro tópico).
As redes sociais estão matando a inteligência, o senso temporal, o registro histórico, etc.
Bem, por acaso, topei ontem com esse livro que pretendo ler nos próximos dias. Vi uma entrevista do autor em que ele fala coisas interessantes sobre as redes sociais, contra elas. ( https://amzn.to/2LDPVq9 ).
Mas há outra coisa de grave quanto às redes sociais. Sabe o que acontecerá nos próximos dias? Centenas de parlamentares que tomarão posse e mandarão em mim e em você, e farão leis para mim e para você e eles não são nada, absolutamente nada além de populares de rede social. Campeão dos likes e dos hearts. Gente de quem você não compraria um boné pessoalmente, mas que pela persona que construíram habilmente nas redes, ganharam mais que curtidas, ganharam um mandato parlamentar. Cara, isso é sério demais, sinta o peso disso. É muito grave, se pensar a longo prazo. O argumento de que “os que estavam lá já não valiam nada, mesmo” não é válido: cocô de rato e cocô de camelo são ambos cocô, ainda, desculpe. Mesmo que os eleitos provem que são capazes, a forma como eles construíram sua imagem foi falsa, via redes sociais apenas, e este é o ponto aqui. O quê realizaram de concreto que fizesse jus aos votos que obtiveram?
Voltando ao caso da Abril, eu não quero um país em que uma editora — a despeito de todos os seus pecados, que eu bem sei que os têm — feche as portas e ponha milhares de trabalhadores no olho da rua (e atenção: falo de pais de família das gráficas, motoristas, faxineiras, cozinheiras, etc. e não apenas jornalistas chiques & famosos), enquanto gente obscura embora performática de redes sociais ganhem 50 mil por mês, no mínimo, pago do seu e meu bolso, e ainda por cima detenha nas mãos o poder político concreto e efetivo sobre a sociedade. Tudo isso graças a… likes(!!). Pelo amor de Deus, isso é grave.
A gente precisa parar com esse vício de redes sociais, de alguma forma, antes que seja tarde e elas moldem nossa maneira de viver.
Claro que prego no deserto. A indústria de smartphones vai muito bem, obrigado e, na disputa entre material impresso e fotinhas em telinhas OLED ultracoloridas, essa última ganhará de lavada. O sr. Zuckerberg tem muito pouco com que se preocupar.
Contudo, pergunto o seguinte: quem fez mais pela cultura do Brasil, a Abril ou o Facebook? Fácil responder, não? E, sim, uma coisa exclui a outra, aliás já excluiu. A dicotomia é verdadeira.
A gente precisa parar com esse vício de redes sociais, de alguma forma, antes que seja tarde e elas moldem nossa maneira de viver. Estamos pondo grilhões na nossa mente, elegendo feitores sobre nós, sem percebermos.
Talvez continue o assunto. Obrigado pelo seu tempo, eu não mereço tanto. Obrigado, de novo.
Texto 100% Criação Humana / 0% Inteligência Artificial
(Selo criado por Beth Spencer)