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Por volta de 1975, por aí, chegou ao conhecimento de dona Clarice Lispector que três escritoras do território nacional inauguravam o gênero literário claricismo. O claricismo consistia numa escrita toda calcada em epifanias, porém de segunda mão, baseada nos livros da autora.
Epifanias em nada parecidas com as reais de dona Clarice, que à altura não era nenhuma mocinha e já andava meio irritada com tudo e mais um pouco (“cansaço”, mentia, se perguntada; no climatério, queria mesmo é que não lhe enchessem os pacovás).
Os tais livros de claricismo irritavam a autora, pois continham apenas anacolutos com pontuações de soluço e alegorias fracas (“minha dor não tem nome” etc). Dona Clarice, então, disseram, ficara tão pê da vida por tentarem imitá-la sofregamente — justo ela que detestava se ler, imagine ler cópias ruins de si —, então ela ficou tão pê-da-vida que decidiu sentar-se com sua Olivetti verdinha no sofá e escrever uma novela sem epifania de coisa nenhuma, uma novela de macho narrada por macho, uma novela bem da machista com final decepcionante, não só trágica como besta, ou trágica de um jeito besta.
Dona Clarice então criou um narrador fictício Rodrigo S. M., que contava a história de certa alagoana vinda ao Rio de Janeiro só para sofrer, menina bobinha de nome Macabéa. Dona Clarice mal coloca o ponto final e intitula seu livro A abestalhada, mas depois o editor lhe telefona, aconselhando para ser aquela mesma Clarice de sempre, pelo menos no título, posto que ela vendia bem e coisa e tal.
Então dona Clarice pensou “vou dar um título meloso e tapear essas fulanas da cópia barata”, e ela dá ao livro o título de A hora da estrela — que de estrela mesmo não tinha nada —, só para enganar as plagiárias, e este foi seu último livro publicado em vida.
Bem, essa história jamais existiu. Porém o claricismo existe e perdura até hoje. Inventei a lorota, inclusive para dizer que dona Clarice narrando como homem fez foi muito bem e, creio eu, melhor que muito homem com agá. Se viva, certamente ela faria mais do gênero e daria uma guinada na carreira, isso se antes a vida não lhe desse outra guinada logo à frente, guinada sorrateira, guinada traiçoeira e guinada lamentavelmente triste.
Originalmente publicado na newsletter Prosaica em 15/07/2023

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