ELISABETH era uma mulher que corria na esteira da academia, mas sua vida não se resumia a isso. Elisabeth fazia muito mais. Era jovem, independente e solteira. E bonita, não exatamente deslumbrante, mas atraente. Elisabeth era esforçada, dedicada e — para usar seu adjetivo preferido — “focada”. Sonhava ter uma sólida carreira, tornar-se profissional de respeito, referência em sua área, talvez executiva. Trabalhava e estudava e malhava para isso. Pertencia a uma nova geração de mulher, cosmopolita e empoderada, que sabe o que quer da vida, bem ao contrário da mãe, das tias, da avó.
Durante a faculdade, estagiara num importante escritório de advocacia e após a graduação foi efetivada, ali mesmo, pelo que recebia uma razoável quantia mensal. Ambiciosa, Elisabeth torrava (“investia”, dizia) uma grana preta em cursos de reciclagem e especialização. Igualmente, gastava muito em roupas e apetrechos elegantes, pois o escritório era chique, tinha rígido dress code e a concorrência das colegas, embora tácita, era intensa.
Elisabeth gastava (“investia”, de novo) no cabelo e nas unhas, aos fins de semana, para chegar impecável na segunda-feira. Não frequentava salão chinfrim, mas os bacanas. Depois do pit stop de beleza, ia ao shopping center renovar o guarda-roupas. Incomodava-a muito repetir o look no escritório.
Fazia tudo isso em nome da carreira. O mercado de trabalho é exigente e ela não podia se acomodar. Entendia que todo aquele custo teria afinal uma compensação. Seu esforço não se limitava ao visual, porém. Malhava três vezes por semana, para manter a cinturinha na medida, as pernas torneadas, o bumbum ok, e para adequar-se fisicamente à indumentária: horrorizava-lhe a possibilidade de engordar e aumentar o número do manequim. Aumento, talvez, somente no número do sutiã, via silicone — estudava a hipótese, mas não estava bem certa se faria a cirurgia. Por onde andava, Elisabeth transmitia uma elegante sensualidade endereçada ao éter, coisa que lhe conferia sensação de poder e “agregava valor”, conforme imaginava.
A sonhada promoção exigia sacrifícios: proficiência em idiomas, oratória em público, postura, aparência, linguagem corporal. Cada reunião demandava estudadas performances. Contudo, algo ainda lhe faltava: um carro. Perdia tempo e paciência com táxis, metrô, Uber, sem contar eventuais caronas — coisa chata, desagradável. Adquiriu então o lançamento que passava no comercial da novela, financiado, na versão intermediária confort line com pintura perolizada. O carro não servia apenas para trabalhar: cumpria o papel de não fazer feio no estacionamento da empresa.
Claro que a vida de Elisabeth não se resumia a trabalhar. Viajava nas férias, para fugir da rotina. Mochileira, abrigava-se em hostels pelos EUA e Europa e postava o diário de viagem no Instagram, no modo público, com legendas em inglês e muitas hashtags. Recebia curtidas e comentários do pessoal do escritório e depois, na volta, incluía as experiências no currículo e no perfil do LinkedIn, no item experiências e interesses — ser viajada era quesito que também “agregava valor” à carreira, afinal de contas.
No alto de seus trinta e dois anos, Elisabeth buscava evoluir. Se bem que a desejada promoção, mesmo, não vinha, o que às vezes lhe desanimava. Mas superava, esperançosa: acreditava na meritocracia, lembrava-se de que ainda era jovem e estava apenas no começo, havia muito pela frente. O desejado namoro firme viria algum dia, decerto, e ter filho estava no horizonte. Às vezes, temia a janela biológica dos trinta: preocupava-se, naturalmente. No entanto, a medicina moderna estava aí, então nada de pensar muito nisso: o lema era “focar na carreira”, e era o que ela fazia.
Fracassar, para Elisabeth, seria viver como a mãe: ser do lar, dona de casa. A vida da mãe foi só cuidar dos filhos e praticar o arcaico tripé lavar, passar e cozinhar. O pouco lazer da mãe resumia-se em ir à chácara da família nos feriados e finais de ano, para descansar um pouco. “Vidinha estúpida”, que Elisabeth repelia de si: ela não seria daquele jeito, ah, não seria mesmo.
Estava determinada a ser diferente. Verdade, não tinha ainda família, casa própria, chácara e tal e coisa: faltavam-lhe realizações. Por outro lado, tinha um currículo invejável, intercâmbios e diplomas, ótimo networking, roupas e bolsas e sapatos espetaculares, recentíssimos e bem decididos 300ml em cada mama, um bonito carro zero e muito potencial.
No entanto, sem perceber, Elisabeth esquecia de si, do futuro, do legado e do significado. Vez ou outra lhe surgia o assunto casamento. Marido, vê se pode, quem precisa deles? Obedecer e servir, feito a mãe? Nem morta. Elisabeth tinha um patrão, no entanto, a quem ela fazia tudo aquilo docilmente, sem se dar conta.
E daí? Nada de mais. Elisabeth era uma mulher decidida e independente que corria na esteira da academia: corria e corria, percorria milhares de quilômetros sem sair do lugar. Na esteira da vida ela também corria, rumo ao sonhado futuro, à sonhada carreira, ou quem sabe a lugar nenhum.