Falso
moralismo!

EXPERIMENTE apelar à moral numa certa situação: logo alguém se levantará e esbravejará “falso moralismo!” com o dedo em riste. Pergunto: onde está o verdadeiro moralismo? Quem indiscutivelmente é autoridade em matéria de moral? Sim, porque na expressão falso moralismo, de modo implícito se está a dizer que existe o verdadeiro moralismo. Para todo falso corresponde um verdadeiro e vice-versa, certo? Pois bem: se, via de regra, quem apela à moral é falso e hipócrita, quem será verdadeiro?

Na acusação “falso moralismo!” há um equívoco, um princípio cristão enlouquecido, para usar a expressão de Chesterton. O princípio é o seguinte: todos são pecadores, portanto ninguém deve atirar pedras no outro quando este falhar. Todavia, ao apelar-se à moral em abstrato, o princípio de que “todos são igualmente pecadores” não se aplica. E por quê?

Simples: porque a moral não é um tipo de santidade, de pureza celestial ou de perfeição comportamental. A moral não é propriedade exclusiva dos anjos ou dos santos. Na verdade, moral é um código tácito, um freio ético inerente à sociedade humana, à civilização. É uma barreira valorativa obtida por tentativa e erro ao longo do tempo, que delimita o que se pode ou não se pode fazer para preservar a harmonia entre as pessoas. Se não existisse a moral, a selvageria destruiria a civilidade e a lei do mais forte prevaleceria.

Quando as regras morais não são devidamente observadas, problemas aparecem, pessoas são prejudicadas em maior ou menor grau; e, neste instante, qualquer um pode apelar à moral, não importa quem seja, monge ou gigolô, mocinho ou bandido: o que está em jogo não é a conduta pessoal e íntima deste ou daquele em particular. Apelar à moralidade é defender os pesos e contrapesos sociais que mantém um saudável equilíbrio entre todos os cidadãos e garantir que a vida prossiga sem sobressaltos nem concessões danosas.

Agir moralmente significa não prejudicar deliberadamente o semelhante, não trapacear. E quando apela-se à moral, relembra-se um princípio óbvio: todos estamos debaixo das mesmas regras e estas valem por si, pouco importa o mensageiro.

Claro que se o moralista do momento for alguém cuja reputação é no mínimo questionável, sem dúvida será algo constrangedor. Vale refletir porque aqueles que deveriam ser os guardiões das regras morais não se manifestaram. Se ninguém clamar, as pedras clamarão.

De uma vez por todas: não existe falso nem verdadeiro moralismo. Existe moralismo — talvez enfadonho, sim; talvez incômodo. No entanto, qualquer moralismo é verdadeiro em si mesmo, porque a moral é verdadeira. Acontece que, do mesmo modo que a luz quando acesa “humilha” a escuridão, quem relembra regras elementares de conduta pública humilha aqueles que deles nunca deveriam ter se esquecido, e a vaidade ofendida lhes dói. Acusar de “falso moralismo”, então, é uma maneira diferente de gritarem “ai, minha consciência!”.

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