Gorjeios literários

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Antonio Abujamra costumava perguntar ao entrevistado, em seu extinto Provocações, ao saber que este lia com frequência: “qual é o autor que você já encontrou? E qual ainda não encontrou?”

O entrevistado nunca saía-se bem nessa questão. Natural. Quando lemos literatura com alguma frequência, nossos autores preferidos vão se afunilando, diminuindo, diminuindo… não raro, desgostamos de muitos clássicos que, sim, são obrigatórios, e nos afeiçoamos a outros nem tão clássicos assim, por vezes longe disso. Pessoalmente, dá-me uma pontinha de vaidade saber de autores muito bons e quase desconhecidos da maioria. Bobagem? Talvez. Como toda vaidade, ora essa.

Parece-me que leitores maduros prefiram a delicadeza à veemência. Bem, não generalizo; falo por mim. Busco na arte literária o captar do sutil no banal, do verdadeiro no corriqueiro. Me espanta a frase precisa sem a intencionalidade forçada de sê-lo e identifico o lirismo poético na prosa mais despretensiosa. Beletrismos, porém, logo saltam aos olhos e denunciam-se, enjoam, cansam. Na vida e na arte, veemências dão bocejos.

Depois de alguma vivência na leitura, fica fácil detectar truques e afetações. Ouvimos a música das frases. Gostamos da verdade, mas esta bem apresentada e não com a violência de carros colidindo em postes. A realidade é ao mesmo tempo trágica e bela — bela mesmo na tragédia, às vezes, inclusive.

No início da jornada ao mundo da literatura, bebemos dos grandes dramas da humanidade e desprezamos os sorrisos singelos. A imaturidade sempre busca a gravidade. Por isso, entendo quando velhos pensam mais progressivamente, modernamente, que moços em formação. Vai ver, aqueles aprenderam que nem tudo possui motivações muito racionais nem explicações tão fundamentadas e sedimentares. A lógica formal, quando muita, enlouquece. Acontecer faz parte do ser.

Viver é um fluir contínuo e incontrolável, imprevisível. A ordem racional, pura invenção. Feito o pássaro a gorjear de manhã: surge sem licença e faz o que lhe é natural. Canta, voa, vem e vai.

Assim é a vida, o real. Assim, a boa literatura.

No mais, diz o pregador, tudo é vaidade e correr atrás do vento.




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(Selo criado por Beth Spencer)

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