Marte
e Vênus

O MUNDO foi de Marte, hoje é de Vênus. Quando e se a era venusiana declinar, o mundo voltará novamente ao estado marcial, por força da contingência.

Eis como tal coisa sucede.

Marte e Vênus alternam-se ao longo das eras, em períodos cíclicos. Marte, por meio das guerras e da força bruta — à custa de muito sangue, músculos, cérebros e vidas inteiras — cria e estabelece a “normalidade” na sociedade humana. O deus vence o mundo hostil e o conquista. Funda (ou refunda) civilizações, nações desenvolvem-se; e, paulatinamente, aquela brutalidade inicial torna-se desnecessária, cedendo lugar à paz, à beleza e à graça. A existência como um todo suaviza-se: inicia a era de Vênus.

Então, a feliz estabilidade das sociedades perpassa os séculos, e as gerações que se sucedem, uma após outra, esquecem-se do árduo trabalho empreendido por Marte para se alcançar este estado de felicidade, o qual, ao contrário do que aparenta, não é perene. A dominante Vênus, acomodada e ingrata, menospreza a origem de sua força e de sua vitalidade e, desdenhosa, entrega tudo ao inimigo, sem o saber.

Quando Vênus domina ostensivamente a existência sem a contraparte que a equilibra, ela tece e molda os pensamentos humanos de maneira oblíqua e temerária. Princípios e valores até então intocáveis invertem-se, insurgem-se contra Marte, hostilizando-o. Dádivas penosamente adquiridas, não por ela, são descartadas como se procedessem de infinitas fontes; dádivas às quais a deusa não fora capaz de criar, tampouco de garantir, apenas de usufruir. Se Vênus reinar só e, inconseqüente, não retroagir de nenhuma maneira, o Bem finalmente se perderá.

Marte será convocado à ação novamente. Ou age depressa ou todos perecem: os homens, as mulheres, toda a civilização humana. O ciclo épico recomeça, e a humanidade torna-se novamente a argamassa que reconstrói o mundo: o mundo marcial é bruto, indômito, implacável. Sem Vênus, retorna a barbárie, os cadáveres empilhados, o sangue que tingirá as bandeiras e as flâmulas dos povos, até que os mais fortes prevaleçam.

Do equilíbrio de forças entre Marte e Vênus advém o equilíbrio da vida humana na Terra. Deuses sucedem-se por eras, e podem fazê-lo, imortais que são; nós, porém, sem a harmonia das forças divinais, pereceremos todos.

Portanto, que Vênus e Marte estejam permanentemente em paz. Para o Bem de todos, mulheres e homens, mortais que somos.

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