Fui assaltado no Natal. Na antevéspera de Natal.
De modo que, minha resposta chata à pergunta chata da tia chata,
“Sabes o sentido do Natal?”
Pelo menos o desse ano posso dizer:
“Sei. Assalto.”
Não, não gosto de Natal, desse período. Jamais gostei.
Natal é coisa pra americano brincar de neve na tevê.
Aqui, nem neve a gente tem:
faz um calor dos diabos no hemisfério.
Natal é uma coisa que o Brasil aprende na tevê,
pra comprar e gastar com Coca-Cola.
Isso: Natal é invenção da Coca-Cola.
Natal é dar e ganhar presente errado;
ter gratidão por ganhar aquilo que detesta,
de quem te presenteia como quem zomba de ti.
Todos comem no Natal: bebem, incham, vomitam no Natal.
Peru com Aji-no-moto, glutamato monossódico que mata.
Frango peitudo-gigante, puro hormônio-antibiótico vendido bem caro.
(Depois a sobra vira salsicha baratinha.)
Mas fui assaltado no Natal.
Cadê o espírito do Natal?
Esse é o espírito do Natal.
Tu, que tens a fé popular da vovó boazinha
Tu, que pensa em renas no país das antas
Tens-me agora por blasfemo, bem sei.
Seu tolo. Seu tolinho:
Pois nem Jesus, nem o menino Jesus do presépio jamais gostou do Natal.
“Nada tenho com isso”, diria São Nicolau.
Sabes quem gosta do Natal?
O ladrão que me assaltou.
Ele, como tu, comeu peru com glutamato,
ganhou presente detestável,
viu rena e neve na tevê,
bebeu Coca-Cola com o fruto do roubo
e me acharia blasfemo (ladrão odeia blasfêmia)
se lesse — se entendesse — o que escrevo aqui.
Sim, o ladrão pensa igual a ti e a todo mundo.
O ladrão só queria um Natal bom:
Por isso mesmo assaltou.