O garoto
e a loja hostil

QUANDO GAROTO, gostava de passear pelo centro de São Paulo e explorar sozinho lugares que antes só frequentava com meu pai. Digo sozinho porque acabava de conquistar o direito de andar pela cidade desacompanhado, de modo que aqueles passeios tinham um significado todo especial para mim. Foi uma conquista.

Um dos lugares nos quais passeava era pelas lojas de instrumentos musicais. O ano era 1994, e naquela época eu estudava teclado. Sonhava adquirir um daqueles instrumentos para mim: via as vitrines, vários deles expostos. As lojas permitiam que se experimentassem, que se tocassem os teclados; ao menos, foi o que vi quando passei por lá: vendedores ligavam os instrumentos e os clientes em potencial tocavam — ou pretendiam tocar — teclados e demais instrumentos musicais da loja.

Ao ver aquela cena, pensava algo como: “entendi… qualquer dia vou pedir ao vendedor que me deixe ligar um teclado destes para experimentar, ter a sensação de como é”. Caramba, eram instrumentos profissionais aqueles, bem diferentes do Casio velhinho e surrado que eu tocava na escolinha de música.

Havia uma loja em especial de que eu gostava bastante: uma revendedora oficial da Roland, marca de teclados profissionais os quais eu sonhava adquirir um dia, “quando crescesse”. No entanto, garoto, sabia que naquele momento comprar um Roland era algo fora do meu alcance. Meu pai também não tinha condições para tal, eu estava ciente disto, portanto nem tentava pedir.

Restava tomar coragem e falar ao vendedor que me deixasse experimentar um pouco: tarefa nada fácil para um garoto de 14 anos. Mas um dia, finalmente entrei na loja, tomei coragem e pedi ao vendedor: decerto ele não negaria, já que outros fregueses estavam ali, tocando e “degustando” os instrumentos e quase nenhum realmente comprava…

Então, respirei fundo e perguntei se poderia tocar um pouco o teclado objeto do meu desejo. Ele atendeu, sim; porém, muito a contragosto. Soltou um tedioso “tá, só um pouco, vai”, com muita má vontade, era visível. Eu, tímido, mal pude “sentir” o que era tocar aquele teclado. Queria tocar, misturar os sons, ver o que ele tinha de especial. Nada disso foi possível, porém; o vendedor logo me enxotou com um “chega, outro cliente quer ver”. Mentira, ninguém queria ver. Ou seja, para ele, eu não era cliente. Era um fedelho curioso, talvez, nada mais. Não entendi isto na hora: só depois, no ônibus de volta para casa, matutando, é que percebi que não era bem desejado ali.

No final de semana seguinte, voltei à loja. Outro vendedor, que provavelmente me observara na semana anterior, viu que eu observava a vitrine e perguntou de forma ríspida se compraria alguma coisa. Minha resposta foi “não”, obviamente; então, ele postou-se como uma sombra ao meu lado, meio que tacitamente afastando-me dali. Foi a gota d’água. Em minha resolução de menino, prometi a mim mesmo que, se algum dia juntasse um bom dinheiro compraria um teclado em qualquer loja, menos naquela.

Passaram-se algumas semanas. Visitei outras lojas depois disso, mas aquela específica, nunca mais. Naquela altura eu já trabalhava, estava no segundo ano de um emprego pelo qual recebia a exata importância de 208,68 URVs (lembre-se, era 1994). Na época, o salário representava até um dinheirinho bom para mim, embora não o suficiente para comprar um teclado mediano, quem diria profissional. Mas tinha um plano em mente: guardaria meu décimo-terceiro salário mais o salário do mês, depois mais um pouco do mês seguinte, e assim teria o suficiente para comprar um tecladinho, simples mesmo, só para praticar.

Contei meu projeto a meu pai. Apesar de não estarmos numa situação muito confortável, ele me disse que bastaria usar meu décimo-terceiro salário que o resto ele completaria. Eu mal podia acreditar. Naquele final de ano, teria finalmente meu teclado novinho.

Então, veio o grande dia: dei a minha parte do dinheiro a meu pai e ele completou o restante. Já tinha tudo em mente: o modelo do teclado, a loja, o preço. Era só pagar e levar, e foi o que aconteceu. O vendedor da loja atendeu meu pai super bem, naturalmente, apesar daqueles agrados forçados do tipo “e aí, garotão” dirigidos a mim. Tudo bem. Finalmente tive o que sempre quis. Para ser específico: naquele dia adquiri um Panasonic KZ250 com case original. A aquisição superou minhas expectativas, pois não era qualquer tecladinho, mas um lançamento direto do Japão.

Detalhe: a loja em que comprei não era aquela dos vendedores hostis. Era outra, ligeiramente mais amigável. E ela vendeu um teclado, para mim. Para o garoto pentelho.

De posse de meu Panasonic KZ250, deixei de frequentar lojas de instrumentos musicais por um bom tempo. Esqueci aquela loja hostil e nem passei mais em frente à ela, por meses.

Num dia, porém, eis que passo por aquela rua e me dá um estalo: vou lá naquela loja, de propósito, para ver se aqueles vendedores tinham tomado jeito ou continuavam enxotando clientes em potencial.

Só que daquela vez não foi possível fazer o teste: assim que bati os olhos na fachada, reparei que a loja havia fechado as portas. Talvez não devesse, mas não nego: ao ver aquela cena, sorri de satisfação.

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