O gentil-homem

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Em tempo de minorias e identitarismos mil, ninguém fala dele: do gentil-homem. Não do homem pura e simplesmente, por favor. Homem é coisa (sim, coisa) detestável per se hoje em dia, categoria condenada por sábios e entendidos de gêneros e temas afins. Falo do gentil-homem, outro papo.

Gentil-homem é aquele tipo boa praça, razoável ou minimamente culto, um pouco tímido, um bocado acanhado, sempre contido. Trabalhador, estudioso, vai por aí. Obviamente honesto e invariavelmente bondoso; jovem ou nem tão jovem. Um tipo de quem a vovó quando moça chamaria bom partido. Aquele a quem Baltasar Gracián dedicou toda uma obra, intitulada El Discreto.

O gentil-homem é tipo raro atualmente, um Quixote sem Dulcinéia, repleto de virtudes ocultas e portanto desperdiçadas. Ele não estará nas noites da cidade. Ele não pegará ninguém. Ele é romântico e atencioso sem ser gay, fique bem entendido.

Ninguém espere que o gentil-homem saia pelas ruas empunhando cartazes em sua defesa, reivindicando direitos, exigindo representações. Seu pudor jamais o permitiria. Quando feministas montam em seus rolos compressores verbais, asfaltando tudo que é masculino, os exemplares canalhas e cafajestes do grêmio macho nada sentem, pelo contrário; mas no seu canto, o gentil-homem enrubesce e se recolhe. Acha que é tudo com ele, coitado. Se responsabiliza, se culpa. Porque ele vê algo de sagrado no feminino: a sua própria mãezinha, a Virgem Maria Mãe de Deus.

É mais fácil que gentis-homens empunhem livros clássicos nos espaços públicos — talvez num Kindle se for jovem — que montar em motos com coletes de couro e ir a motociatas do Bolsonaro para xingar comunistas. Ninguém os verá em barbershops de macho a tomar cerveja artesanal, arrotar e falar de bunda feminina. (Gostam de ambas, sim; com discrição e cortesia, porém.)

Não esperem que programas de sofá da tevê debatam a segregação do gentil-homem, que reúnam cases emblemáticos, depoimentos de vítimas do preconceito contra eles. Tal não ocorrerá, pelo simples motivo de que ninguém sabe o que é um gentil-homem. Hoje em dia, ninguém sabe. Principalmente — e infelizmente — as moças e suas sonhadas futuras famílias (pois sim, há ainda as que desejam tê-las, embora o artigo esteja fora de moda), elas não se dão conta da existência deles, deixam-se levar pelo barulho. De modo que ambos se desencontram na vida e nada lá fora ajuda na tarefa de aproximá-los.

Pois o mundo ainda sofrerá por desdenhar o gentil-homem, anotem. Ele, comedido — e quem sabe agora mesmo um tanto ruborizado ao ler estas linhas modestas, um tanto tocado por essa lembrança singela — , ele terá pudores de avisar em público a sua utilidade. Embora saiba disso. Embora saiba um bocado de coisas.

De sorte que, se a sociedade os ignora, ó moça valorosa, despertai! Se és realmente inteligente e de boa cepa, não dê sopa! Gentil-homem é o nome: procurai, observai, notai! — porque eles existem e estão a vagar por aí, asseguro.

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