O rebanho
cultural

NÃO EXISTE moda que brote espontaneamente: toda e qualquer moda é sempre criada por alguém, visando um determinado fim. Este, aliás, é o objetivo de todo modismo: abolir ou transformar certos valores vigentes e substitui-los por outros, conforme os interesses daqueles que conduzem — ou pretendem conduzir — a sociedade. Ao mencionar moda ou modismo, não refiro-me apenas à vestimenta, mas a toda cultura de massas, algo abrangente, que vai da estética corporal ao estilo arquitetônico das cidades, da música popular aos valores morais em geral.

Ao seguir modismos, as pessoas não o fazem apenas por gosto ou prazer, mas antes de tudo por uma espécie de disciplina imitativa do subconsciente: miméticas, elas “forçam” seu hábito aos ditames da moda que lhes chega ao conhecimento, e esta adoção lhes parece boa e adequada; afinal, “todos fazem o mesmo”.

O ser humano, parece, tem necessidade de inserção, de sentir-se encaixado no presente, daí porque faz-lhe sentido embarcar na última onda: essa atitude confere pertencimento, segurança mental e bem-estar aparente. Nada mais óbvio, é confortável nadar a favor da correnteza.

Tal se dá com o rebanho cultural: jovens na maioria, adolescentes ou adultos recentes, gente que busca marcar posição e afirmar-se na vida. Em geral, jovens acreditam que é preciso estar adaptado aos costumes em voga e eles se agarram a esta idéia sem nada filtrar, voluntariamente. Certos adultos também agem assim, em especial adultescentes, um recente fenômeno urbano.

Cientes da inclinação juvenil por “beber novidades”, a indústria cultural forja seus produtos culturais estrategicamente, de modo a introduzir na mentalidade coletiva toda uma série de novos costumes e modos de ser, a fim de induzir novos comportamentos, valores, pensamentos e opiniões na sociedade. Todo um imaginário substituto é moldado aos poucos nas novas gerações, por vezes rompendo o que não deveria romper e acarretando consequências desastrosas ao próprio indivíduo e à sociedade. Eis o trabalho do progressismo, ideologia a qual oculta, por trás da nomenclatura presunçosa, o projeto maléfico que tenciona realizar.

Todavia, tudo é recoberto por camadas de positividade e bons sentimentos, por estéticas atraentes, por high technology; e quem porventura se opõe a este novíssimo e estranho padrão de bom, belo e justo da modernidade, será considerado um sujeito louco, intolerante, reacionário, mau, entre outros adjetivos. Afinal, se o progressismo monopoliza para si o bem, qualquer vento contrário representará necessariamente o atraso e o obscurantismo, não é mesmo?

A palavra de ordem dos “inventores de modismos” é romper padrões. Por outro lado, eles não discutem a sério suas propostas, não permitem quaisquer exames à luz da realidade, nem aceitam comparar os efeitos dos novos comportamentos que impõem aos dos hábitos tradicionais, jamais; a tática é criar rupturas, divulgá-las maciçamente na mídia que lhes é subserviente e, assim, raptar as vontades, corações e mentes suscetíveis, a fim de plantar e espalhar as sementes do projeto. O resto corre por si.

Dá-se então o encontro da fome com a vontade de comer: as (nocivas) novidades criadas chegam ao rebanho cultural, que por sua vez está ávido por consumir novidades. Eis o modus operandi da engenharia social aplicado à cultura. A eficácia da operação se dá exatamente pela predisposição juvenil — incauta, cheia de si, resistente a admoestações — pronta a tratar acriticamente toda novidade como coisa boa e desejável.

A moldagem artificial da sociedade — fenômeno surgido no século XX, proporcionada pelo estudo da psicologia das massas — sempre teve nos jovens as suas cobaias e, não por acaso, as suas principais vítimas. O natural orgulho juvenil embota a percepção, a impetuosidade rebelde gira as rodas do moinho, e as mudanças projetadas acontecem. É um mecanismo formidável, e quem controlar as engrenagens do processo controlará o imaginário das nações; na menor das hipóteses, lhes farão um belo estrago, coisa de que os vigaristas intelectuais sempre souberam (imagino frankfurtianos dando risinhos entre os dentes neste momento, em meio às labaredas).

Entretanto, e quanto ao rebanho cultural? Ouvirá tais advertências? Pensará algo a respeito? Mudará a postura de algum modo? Infelizmente não, pois rebanhos não mudam por si mesmos. Se existir uma solução possível, há de ser esta: mudar os pastores que conduzem esses rebanhos.

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