Resistência
à vergonha

NENHUMA condição humana intrínseca dá orgulho. Quem é feliz consigo mesmo não alardeia de punhos em riste, antes adota uma postura leve e ao mesmo tempo magnânima, sem afetação. Ao invés de orgulhosa, gente feliz é autoconfiante e serena. E é bem-resolvida: não briga por algo já conquistado e estabelecido em si. Quem tem a personalidade assentada não busca convencer outros daquilo que é; age naturalmente, com simplicidade.

Uma boa ilustração é a diferença entre o nobre e o novo-rico: o nobre pode ter Ferraris se quiser; pode ter jóias caras e outros símbolos de riqueza. Mas não as têm, necessariamente; não faz questão, porque não precisa provar nada a ninguém. Sabe quem é, conhece o poder que tem. Já o novo-rico, recém-chegado ao universo dos seletos – embora sem sobrenome nem lastro – logo aparece em carros luxuosos, a ostentar sua riqueza recente com itens chamativos, por onde vai. Dentro de si, no entanto, ele sabe que é um filisteu, um neófito; sente a sombra da inferioridade de anteontem a lhe aterrorizar e precisa de todo modo expulsá-la. Daí tenta se impor aos demais, artificialmente: a partir do que exterioriza, busca convencer-se retroativamente da nobreza que não possui.

O mesmo se dá com os tão propagados “orgulhos” que se vêem hoje, aos quatro cantos: de gênero, de tom da pele, da forma de transar, etc. Embora seus paladinos o alardeiem com tanta marra e até agressividade, por um lado, ou projetem uma alegria inabalável de sorrisos forçados, por outro, eles não enganam a si mesmos. Sabem que se enganam na exata medida em que são bajulados pela mídia e pela indústria do consumo, e fracassam interiormente.

Por baixo desse cardápio de falsos orgulhos há outra coisa, latente, lá no fundo: a desesperada resistência à própria vergonha que sentem. Conforme ensina Alfred Adler, psicólogo hoje proibidíssimo: complexo de inferioridade gera complexo de superioridade.

Não os condeno, de maneira alguma. Viver assim — afirmar para convencer-se, convencer para afirmar-se — no final das contas, deve ser uma coisa angustiante. Uma verdadeira miséria.

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