Superstição

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Tenho uma superstição. Quem não as têm? Eis a minha: se acho dinheiro no chão, não guardo comigo nem levo para casa. Procuro algum necessitado na rua e entrego o fruto de minha sorte inesperada. Exibicionismo de virtude a uma hora dessas? — dirá você. Nem tanto. Posso explicar.

Certa vez, achei dez reais. Sabe, aquela cédula do Cabral comemorativa dos 500 anos do Brasil, lançada em 2000? Como esquecê-la? A cédula foi produzida em papel celofane e seu material se desintegrava mais rápido que seu valor sob a inflação do período.

Enfim, achei aquela bendita cédula na calçada e, óbvio, guardei-a para gastá-la em hora oportuna. E assim sucedeu: rapidamente repassei a dita-cuja, sabe-se lá no quê; nem lembro. Só lembro de algo ocorrido no dia seguinte: tomei o metrô com uma elegante bermuda cargo, sob um calor dos diabos. Por sorte, a composição tinha ar condicionado. Bem, fui aonde tinha de ir, fiz o que tinha de fazer e voltei para casa. Foi num final de semana.

Chego em casa e desocupo os bolsos. Remexo e… espera, cadê o celular? Revolvo novamente. Nada. Fico naquele imediato instante de perplexidade bocó quando se perde algo: “não é possível, não é possível…”. Sim, foi possível. Perdi meu celular! Um exemplar de que gostava muito. Digo-lhes qual era: um Gradiente com flip abre-e-fecha. (Nota: sabei, jovens, que no Brasil os celulares Nokia eram fabricados pela nacionalíssima Gradiente. Sabei antes que houve certa fabricante brasileira de eletroeletrônicos chamada Gradiente, por sinal uma ótima marca; se não de celulares, ao menos consagrada na manufatura de excelentes aparelhos de som).

Enfim, voltando. Perdi meu celularzinho! Ele tinha um despertador ótimo com som de galo e uma luz led multicolorida que emitia raios fortíssimos no ambiente, na hora de despertar. E tinha o jogo da cobrinha que eu adorava. Mas perdi! Perdi meu celular! Como aquilo foi acontecer? Como fui me descuidar? Onde deixei-o cair, escorregar do bolso? Até hoje me pergunto.

Uma tragédia.

Situação 2. Encontro 5 pilas por aí e – por que não? – guardo, oras. Não faço idéia do destino dado àquela nossa nota gay (segundo Os Simpsons). Só sei que naquele mesmo dia, dou pela falta do meu Bilhete Único: o cartão magnético do transporte coletivo em São Paulo. Ó amigos, sabei: perder tal cartão implica em mergulhar a alma nos sete infernos da burocracia estatal, nas trevas abismais do Leviatã municipal; são jornadas insólitas, a demandar o bloqueio dos créditos, a solicitação do novo plástico, a comunicação ao RH da empresa, aguardar as baixas todas no sistema… e talvez nada disso dê certo e o processo se repita umas três vezes. Uma via crucis mundana, enfim: tudo que eu não podia ter feito era perder aquele bendito Bilhete Único. Mas aconteceu.

Ambas as situações ocorreram num curto espaço de tempo. A conclusão era óbvia: maldito dinheiro gratuito! Maldito “achado não é roubado”! Decido: se encontrasse mais algum dinheiro dali pra frente, entregaria ao primeiro famélico, ao primeiro pedinte que topasse na minha frente. Não ficaria com aquele butim, jamais! Nunca! Sai de mim, zica!

Tempos depois — em 2015, mais especificamente — , acho a importância de R$ 2 na Avenida Pacaembu, na Barra Funda. Já sabia a resolução a tomar. Subo a rua Mário de Andrade com a notinha em mãos e topo com um senhor morador de rua, descansando sob a sombra de seu carrinho de sucata. Perturbo o cochilo e entrego-lhe a nota. Renderia dois almoços no restaurante Bom Prato, calculei; fiquei feliz com minha boa ação. Puxa vida. E o melhor: não perdi nenhum pertence meu depois. Bingo! Era isso, claro!

De lá pra cá, nunca mais achei dinheiro algum pela rua. E olha que cultivo o hábito de caminhar, adoro fazer isso, faço com frequência. Bem, vai ver, há muito menos cédulas em circulação hoje em dia. A pergunta que mais o brasileiro ouve pelas freguesias país afora é: “crédito ou débito?” Nem precisa mais ensinar as crianças como conferir o troco, feito antigamente. Sinal dos tempos. Por outro lado, já perdi alguns pertences importantes desde então. Até para ladrão. Ah, quer saber? Pouco importa. Se achar algum trocado, entrego a quem precisa. Eu, dar sopa pro azar? Sai pra lá, zica!




Texto 100% Criação Humana / 0% Inteligência Artificial
(Selo criado por Beth Spencer)

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