Os sem-carisma
e as redes sociais

CARISMA ou você tem ou você não tem, já dizia certa propaganda. Quando se tem carisma, até palavrão vira poesia. É um feitiço misterioso, um charme inexplicável, um solzinho particular o carisma: dele todos querem ficar pertinho, se aquecer, se iluminar; flores em botão abrem-se ante os raios que o carismático emana.

Mas não vou falar dos carismáticos, muita gente já tratou deles. Quero falar com você, pessoa normalzinha, de uma aura meio acinzentada e sem graça; você que não desperta interesse algum. Já era hora de alguém falar com você. Vou identificá-lo como sem-carisma, para facilitar as coisas, ok?

Os sem-carisma sofrem em tempos de rede social. Quando alguém carismático posta algo banal na rede, coisa bobinha, uma foto da obturação no dente por exemplo, ganha logo uma penca de likes, risinhos, comentários fofos e engraçados, solidariedade “ui, Rê, doeu? Tá tudo bem? S2”. Quem vai lá no perfil do carismático vê: 4.990 amigos, 12.955 seguidores (ou muito mais). “Como assim?” pensa o sem-carisma. “Essa daí só posta bobagem!” Fale a verdade, dá uma inveja…

Com frequência, o sem-carisma é justamente aquele que comenta posts de carismáticos. Caixas de comentário são o habitat dos sem graça nenhuma, é preciso dizer. Muitos, almejando um destaquezinho que seja, vivem à sombra dos charmosos, como se a interação virtual os jogasse instantaneamente para o lado dos bacanas. O truque não funciona: então, deprimidos, eles verificam que continuam lá, no cantinho dos desinteressantes, mesmo com aquele comentário tão sublime, tão pertinente… Pôxa, é duro.

Sabe o que acontece, sem-carisma? Você é legal, sim. No fundo, é. Só que algo trava contigo, algo não decola, falta uma coisa astral, entende? De modo que os haters são o efeito colateral de ser sem-carisma, um estado extremo adotado por aqueles que cansaram de tentar ser legal na internet e não conseguiram. Daí, viram a casaca, revoltam-se.

A coisa é séria. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem até cursos de carisma, de charme. Psicólogos, coaches, especialistas auto-proclamados de todo tipo oferecem, por módico valor, a arte do magnetismo pessoal. No fundo, fica implícito que timidez e introversão são uma espécie de doença que deva ser curada. Eles vendem que carisma se aprende. Pessoalmente, duvido.

Deixar a timidez e o estilo reservado é contrariar a natureza. É negar a própria personalidade (e aqui descambo para a auto-ajuda). O mundo parece forçar quem não tem carisma a tê-lo, compulsoriamente. Daí, você finge. E sofre.

Tá, antes que narizes formiguem e olhos marejem, vou ao meu ponto: dá para sobreviver sem carisma nas redes? Claro que dá. Em primeiro lugar, não tente fingir, não force para ser agradável e engraçado, bancar o divertido, algo assim. Sem-carisma quando posa de carismático, ou é ignorado sumariamente ou ganha lá uma aprovaçãozinha assim pequenininha, uma caridade, por pura dó — o que é uma forma de humilhação.

“Seja você mesmo” diz o velho conselho. Não tente imitar ninguém. A essa altura você já entendeu que não tem carisma mesmo, e daí? Você não pode brilhar de outra maneira? Talvez não seja o popular, é verdade, mas se sentirá confortável consigo mesmo quando nem se preocupar mais com isso. Cá entre nós: você quer realmente ser popular? Quer ter puxa-sacos, inimigos, stalkers, haters e coisas do tipo? Receber inboxes de gente esquisita? Olha, viver bem e em paz é muito melhor. Perfil lotado em rede social é vulgar, e pode ser um aborrecimento no fim das contas. Administrar reputação virtual — tem coisa mais chata?

Carisma parece a coisa mais importante do mundo, mas não é. “Também não acho, mas duvido que tudo isso aí acima funcione.” Funciona sim, meu pobre sem-carisma desiludido. Funciona sim. Veja, você mesmo chegou até aqui e leu tudinho, não leu? Então.