O drama da
alma inteligente

Tempo de leitura: 3 minutos

O sonho de toda alma inteligente é encontrar outras almas inteligentes. Escrevo alma, e uso inteligente para adjetivá-la; poderia simplesmente dizer inteligente, o substantivo; mas a distinção é intencional e necessária.

Nem todo inteligente, convencionalmente falando, possui uma alma inteligente. Existem indivíduos notavelmente cultos que no entanto são precários em matéria de sensibilidade, de discernimento. Também não me refiro àquela tal inteligência emocional tão propalada nos anos 1990.

Como defino a alma inteligente: aquela aberta à percepção sutil, que pode sim se valer da cultura, não na epiderme ou protocolarmente, mas na substância, para assim enxergar o mundo que a rodeia como se tudo estivesse translúcido (embora não totalmente transparente, que seria a invisibilidade pura e simples). Almas inteligentes percebem o que há por debaixo das coisas, captam o mistério, observam um entre nas diferentes proposições, um between, sempre, mesmo nas questões mais antagônicas.

Tais almas podem incorrer em erros, claro, pois são humanas. Tem um fraco por conjecturar demais e viciar-se em si mesmas, nos próprios pensamentos. Correm o risco do solipsismo. Serão almas saudáveis somente se não confiarem demais nas formulações imediatas e se souberem guardar suas percepções pré-verbais para o futuro. Soa metafísico, mas nem tanto.

O caso é que almas inteligentes sentem algo a mais no ar, detectam causas e antecipam consequências; isto faz com que sejam previsíveis na rotina, embora muitas vezes surpreendentes nas opiniões. Frequentemente, mudam de parecer de modo inesperado, quando a massa ainda mal assimilou um novo senso comum. Costumam entrar primeiro e sair antes de todos, ou nem mesmo entram: enxergam quando o bem lentamente torna-se mal, lêem os sinais ainda em germe. Não agem como ovelhas ingênuas rumo ao matadouro, mas observam com serena perspicácia o movimento da realidade, e se resguardam.

Almas inteligentes não são compreendidas pelo vulgo. Almas inteligentes buscam seus pares, seus iguais, mas raramente os encontram porque elas não se dão às amizades. Desconfiam demais, reservam-se demais. A presença constante dos outros as entedia ou as atemoriza de alguma maneira, como se o contato com a parte alheia lhes retirasse algo de sua seiva, e assim abandonam ou desprezam, sem motivo, aquilo que justamente as poderia fortalecer: as amizades. Talvez esteja aqui sua maior contradição.

Almas inteligentes não são compreendidas pelo vulgo. Almas inteligentes buscam seus pares, seus iguais, mas raramente os encontram porque elas não se dão às amizades.

Enquanto isso, lá fora grassa uma velha maioria: as alminhas medíocres, a massa, sempre a satisfazer-se cada vez mais e com mais motivos para fazê-lo; saboreiam o mundo como uma deliciosa sobremesa. Nunca não lhes falta motivo para permanecer exatamente no estado em que estão, tampouco lhes falta companhia, para o bem ou para o mal. Medíocres são maioria, e o são por um único motivo: é facílimo ser medíocre.

Almas inteligentes, por outro lado, não importa o tamanho de suas angústias ou o peso de suas dificuldades, recusam terminantemente a mediocridade. São auto-disciplinadas e carregam algo da Eternidade em si. Elas possuem asas invisíveis que, por alguma razão misteriosa, não lhes permitem levantar vôo. Não nesta vida, ao menos.




Texto 100% Criação Humana / 0% Inteligência Artificial
(Selo criado por Beth Spencer)

A metamorfoice,
o blog, a vida…

ANTES do último suspiro deste esquisitíssimo 2018 brasileiro, uma palavrinha aos meus dois ou três leitores eventuais.

Primeiro, algo sobre A Metamorfoice. Desculpem a inconclusão do conto, aliás aguardadíssima (pfff…). Desistiram dele? Com razão, admito. Eu faria o mesmo. Eis o que ocorreu: o conto foi dividido em seis partes, sei como termina e não desisti do final previsto. Já escrevi a parte faltante faz tempo, mas não gostei do resultado, do desenrolar da coisa toda. Pretendo terminar o conto até o fim de janeiro próximo, palavra. Tchekhov estava certo, afinal de contas: deve-se escrever o conto em três dias ou nada feito. Burro, eu. Quem mandou não obedecer?

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ESTE BLOG como um todo carece de revisão. De certos textos gosto um bocado, mas a maioria necessita atenção no estilo e na sintaxe. Sobram vírgulas, faltam vírgulas. Na maioria, abundam vírgulas ridiculamente fora do lugar ou mesmo descartáveis. Perdoem o aparente descuido. Confesso minha incompetência na revisão. Sofro mais como gramático que como escritor, embora não use isso como desculpa. Escrever sem manejar razoavelmente o idioma insulta ao bom leitor (mostrem ao Paulo Coelho essa assertiva) e a mim, também.

Seja como for, não desisti completamente deste Desmodernismo aqui. Pretendo revolver de novo a lama no fundo deste lago pouco frequentado, sempre que possível. Falta tempo, falta vontade, mas falta sobretudo motivação. Feedback ajudaria bastante. Acredite, conhecer opiniões sobre o trabalho é importante (não o puxassaquismo: prefiro o enxovalho sincero a sabujice, sempre falsa). Sinto-me motivado quando presto um serviço a alguém, de alguma forma. Seria o caso, aqui? Não sei. E esse silêncio atrapalha e desanima.

Outro erro no blog, este bem visível: caí na besteira ilusória de aceitar propagandas do Google. Sei lá que me deu. Vai ver os milhões do Gregor Soros de meu conto me influenciaram. Mas logo desisti, cancelei os anúncios, mas o Google não os tira de jeito nenhum. Incomodou-me essa poluição visual toda, além de não ganhar nem um vintém com esta gananciazinha de mierda, embora o proprietário desta plataforma, o ubíquo sr. Google, fizesse mais um otário. Bem-feito pra mim.

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A VIDA. Brasileiro de classe-média-média, metropolitano sem querer, tudo segue razoável, obrigado. Podia estar melhor, podia estar pior – o que indica mediocridade. Ok: estou acima da inferioridade, portanto. Mas à gente inferior não se pode humilhar, que é coisa muito feia, certo? Quanto aos poucos superiores, não se pode desdenhar deles, pois indicaria inveja e despeito. Então, como diria Lênin, o que fazer? O certo é que medíocres tem lá suas dificuldades, também. Estar enfiado ali, no sanduíche da existência, espremido entre a camada alta e a baixa, qual o charme disso? Zero. Sorte ter a internet para fingir alguma importância, alguma estatura.

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PS 1: Entre uma literatice amadora e outra, entre solecismos acidentais e propositais, este blog tornar-se-á aos poucos aquilo para o qual, afinal de contas, inventou-se os blogs: para registrar anotações à guisa de diário. Daí que pretendo importuná-los com meu cotidiano banal e pequeno-burguês: aguente-se filosofices estúpidas, conclusões imprecisas, preconceitos mal-disfarçados, de tudo um pouco. Preparem-se, pois, moços e moças.

PS 2: Um belo dois mil e dezenove a você e aos seus. Que corra tudo bem, que sejamos bons e confiemos em Deus (ih! rima involuntária).

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A falência da Abril
e as redes sociais

Tempo de leitura: 4 minutos

Sei que é contraditório e irônico postar isto justamente aqui, numa mídia digital, mas a falência da Abril ligou um alerta em minha mente. Na verdade, já vinha pensando nisso há algum tempo: a morte da comunicação impressa, especialmente revistas e jornais.

Constato que a comunicação em papel escapa do horizonte de toda uma geração emergente, quem dirá das próximas. Por exemplo, muitos jovens na casa dos vinte anos (arrisco dizer a maioria) nunca compraram uma revista na vida, exceto sob influência dos pais, na infância.

Mesmo onde trabalho (e trabalho numa mídia impressa!), numa conversa alheia, um “garoto” de 22 anos que ali trabalha disse nunca ter ouvido falar de “um tal de jornal Lance”. Eu, ouvindo à distância, fiz um facepalm mental: o garoto nunca, nunquinha na vida dele pisou numa banca e, se pisou, nunca comprou um jornal, ainda que não necessariamente o Lance.

Eu já comprei o Lance. Não muitos. Mas lembro de um, na derrota do Brasil para a França em 98, por exemplo.

Na verdade, eu vi o Lance nascer, em 1995, com um formato de tablóide europeu e com um projeto gráfico colorido que foi absolutamente revolucionário para a época, quando ainda os jornais eram todos em preto e branco. Para se ter uma idéia, a Folha de S. Paulo tornou-se colorida só no ano seguinte, em 1996.

Mas não falo isso por saudosismo ou nostalgia, embora haja algo disso sim. Meu ponto é este, sem rodeios: as redes sociais estão matando a inteligência, o senso temporal, o registro histórico, etc. etc. etc. Esse negócio de confiar seu registro e de tudo que acontece à sua volta a uma empresa como a do sr. Zuckerberg me parece loucura.

O garoto acima citado falou aquilo com certa naturalidade orgulhosa, como se não saber da existência de um jornal, mesmo trabalhando em outro, o colocasse na roda dos descolados, dos up-to-date de sua geração.

Esquisito esse orgulho da ignorância. Da minha parte, eu já amava publicações impressas mesmo no tempo da tevê, geração da qual faço parte. Sempre gostei de ler, e não apenas coisas muito relevantes, mas as corriqueiras também (aliás, quem diz só ler coisas relevantes não lê nada — como saber o que é relevante sem conhecer o irrelevante? — mas este é outro tópico).


As redes sociais estão matando a inteligência, o senso temporal, o registro histórico, etc.


Bem, por acaso, topei ontem com esse livro que pretendo ler nos próximos dias. Vi uma entrevista do autor em que ele fala coisas interessantes sobre as redes sociais, contra elas. ( https://amzn.to/2LDPVq9 ).

Mas há outra coisa de grave quanto às redes sociais. Sabe o que acontecerá nos próximos dias? Centenas de parlamentares que tomarão posse e mandarão em mim e em você, e farão leis para mim e para você e eles não são nada, absolutamente nada além de populares de rede social. Campeão dos likes e dos hearts. Gente de quem você não compraria um boné pessoalmente, mas que pela persona que construíram habilmente nas redes, ganharam mais que curtidas, ganharam um mandato parlamentar. Cara, isso é sério demais, sinta o peso disso. É muito grave, se pensar a longo prazo. O argumento de que “os que estavam lá já não valiam nada, mesmo” não é válido: cocô de rato e cocô de camelo são ambos cocô, ainda, desculpe. Mesmo que os eleitos provem que são capazes, a forma como eles construíram sua imagem foi falsa, via redes sociais apenas, e este é o ponto aqui. O quê realizaram de concreto que fizesse jus aos votos que obtiveram?

Voltando ao caso da Abril, eu não quero um país em que uma editora — a despeito de todos os seus pecados, que eu bem sei que os têm — feche as portas e ponha milhares de trabalhadores no olho da rua (e atenção: falo de pais de família das gráficas, motoristas, faxineiras, cozinheiras, etc. e não apenas jornalistas chiques & famosos), enquanto gente obscura embora performática de redes sociais ganhem 50 mil por mês, no mínimo, pago do seu e meu bolso, e ainda por cima detenha nas mãos o poder político concreto e efetivo sobre a sociedade. Tudo isso graças a… likes(!!). Pelo amor de Deus, isso é grave.


A gente precisa parar com esse vício de redes sociais, de alguma forma, antes que seja tarde e elas moldem nossa maneira de viver.


Claro que prego no deserto. A indústria de smartphones vai muito bem, obrigado e, na disputa entre material impresso e fotinhas em telinhas OLED ultracoloridas, essa última ganhará de lavada. O sr. Zuckerberg tem muito pouco com que se preocupar.

Contudo, pergunto o seguinte: quem fez mais pela cultura do Brasil, a Abril ou o Facebook? Fácil responder, não? E, sim, uma coisa exclui a outra, aliás já excluiu. A dicotomia é verdadeira.

A gente precisa parar com esse vício de redes sociais, de alguma forma, antes que seja tarde e elas moldem nossa maneira de viver. Estamos pondo grilhões na nossa mente, elegendo feitores sobre nós, sem percebermos.

Talvez continue o assunto. Obrigado pelo seu tempo, eu não mereço tanto. Obrigado, de novo.




Texto 100% Criação Humana / 0% Inteligência Artificial
(Selo criado por Beth Spencer)

Mentirosos

— MENTIROSOS não gostam de mentir. Mentem por vício, por doença. O sonho de todo mentiroso é contar a mentira uma única vez e não precisar tocar mais no assunto.

O problema é que a mentira volta: ela sempre retorna à superfície, reaparece sabe-se lá como, e o mentiroso tem de encará-la, de novo e de novo.

A mentira perfeita é aquela dita uma só vez, todos acreditam nela, e procuram outra coisa para fazer: e o mentiroso, assim, suspira aliviado…

A metamorfoice
(parte 2)

GREGOR SOROS passou todo aquele dia enclausurado em seu aposento. Ele, que sempre tivera respostas rápidas para as situações mais complexas, não encontrava explicação para o acidente que lhe acometeu. À hora do desjejum, a criada chamou-o junto à porta, duas batidas leves: como não ouvisse resposta imediata, retirou-se, sabia que não devia importunar. Gregor S. não sentia fome naquele momento, sua aflição tirou-lhe todo o apetite.

Rastejava-se pelo quarto, de um lado para outro. Por sorte o ambiente era amplo, uma confortável suíte bem equipada que permitia a qualquer um passar muitas horas ali, aposento digno de um bilionário. Estava angustiado, com mil perguntas e preocupações atordoantes na cabeça: o que lhe sucedeu afinal de contas, como aquilo teria acontecido, como se adaptar à situação, se se tratava de um mal temporário, como driblar os executivos e sócios-investidores da holding se acaso perguntassem por ele, como dirimir os efeitos de um vexame absurdo; e em casa, como apresentar-se daquela maneira ao filho e à mulher quando voltassem da viagem à Grécia, o que dizer a ambos; claro, como ocultar o escândalo da imprensa e, principalmente, que medidas tomar rapidamente para reverter o quadro com o menor dano possível.

Após quatro horas remoendo e analisando alternativas, sentiu-se mais aliviado. Retornou-lhe o apetite. Felizmente, Gregor S. ainda conseguia falar, se bem que num fraco volume; a voz saía-lhe comprimida, vagamente metálica e distante, como se alguém lhe apertasse o pescoço quando em seu corpo humano original. Rastejou e equilibrou-se junto à porta, erguendo-se pelas patinhas que agarraram-se bem à parede. Conseguiu alcançar o interfone, e com muito custo empurrou o botão com sua cabecinha achatada e falou: deu ordem à criada que deixasse a comida na bandeja em frente à porta, que batesse três vezes, deixasse-a entreaberta e não perguntasse por ele. Bem treinada, a criada fez exatamente como ordenado, estranhando um pouco a princípio, mas deu de ombros instantes depois; afinal, aquela não foi a primeira vez que o patrão cometia extravagâncias inesperadas.

A operação saiu como calculado, o que deixou Gregor S. satisfeito. Talvez fosse um bom presságio. Talvez as coisas se reencaixassem aos poucos e tudo não passasse de uma crise momentânea. Então, usando a cabecinha, arrastou a bandeja para dentro do quarto e comeu, aos bocadinhos. A criada preparara o tradicional sanduíche de pastrami e o leite com mel de todas as tardes, de que ele tanto gostava. Mas a refeição não teve gosto absolutamente nenhum: tudo que lhe entrou pela boquinha ou seu equivalente teve uma consistência pastosa e insossa, semelhante a mastigar banha vegetal. Perdera o paladar. Pior, o bolo alimentar ingerido movia-se como algo vivo dentro de seu corpo, expandindo-o; ele sentia todo aquele movimento, como se a coisa adquirisse vida própria dentro de si. Não resistiu. Aos engulhos, expeliu o conteúdo ingerido junto ao canapé, e a expansão de sua estrutura corporal provocada pelo alimento causou-lhe dores e câimbras até tarde da noite.

*continua na parte 3

As celebridades
e a histeria coletiva

DE UNS TEMPOS PARA CÁ, iniciou-se um ciclo de histeria coletiva no chamado meio artístico, desde o show business americano, do noticiário ao cinema, e que vez ou outra respinga no Brasil — já que espirro americano logo vira pneumonia por aqui — por meio da Rede Globo e cia. limitada.

Este ciclo de histeria coletiva é efeito colateral do politicamente correto, o qual, se inicialmente policiava termos ofensivos substituindo-os por eufemismos polidos para não ofender minorias e grupos fragilizados, hoje tornou-se um festival de acusações malucas e denunciações paranóicas de males abstratos que, a julgar pelo que é denunciado ostensivamente, dá a impressão de que estamos imersos em malignidades tão claras e palpáveis que se poderia cortá-las em fatias, de tão concretas e materiais que são.

Não obstante, trata-se exatamente do contrário, muito pelo contrário. Os males que o subproduto histérico do politicamente correto pretende denunciar nem de longe correspondem à realidade. Enquanto se apontam males onde não os há, ao menos não epidemicamente, males verdadeiros são maliciosamente ocultados, dando a impressão aos desavisados que aqueles sequer existem. Vejam, por exemplo, as tais denúncias indignadíssimas contra os “assediadores sexuais” de Hollywood. Eles são tão poucos, mas tão poucos, que se pode apontar seus nomes. Fosse um mal epidêmico, seria inabarcável tentar apontar cada um deles, de tão numerosos.

No entanto, a suposta “guerra aos assediadores” — não a este fulano ou àquele beltrano, problema que seria facilmente resolvido na justiça, mas a assédios em abstrato — pretende criar, bem lá no fundo, um estado de superioridade tal nas denunciantes ou nas identificadas com elas que, ao inocular tais sentimentos na população feminina das novas gerações sob suas influências, as levará a uma confusão generalizada nas relações normais entre os sexos opostos.

Traduzindo, senhoras e senhores: enxerguem a coisa ainda em germe, por favor. A relação heterossexual, homem e mulher, começa a dar sinais de estar sob ataque. Peço que guardem seus risos por um minuto e admitam a hipótese.

Existe a abordagem normal e sadia entre os sexos opostos e o assédio sexual, que são coisas completamente diferentes. Sim, você e eu sabemos disso, algo óbvio. Contudo, ao apontar assédios masculinos onipresentes sem explicar o que vem a ser exatamente assédio e o que simplesmente é flerte, como diferenciar um de outro?

Ao deixar as definições “em aberto”, ao mesmo tempo em que se inflam egos femininos — feministas? — e, quando por outro lado se abafa qualquer iniciativa masculina, ou quando a própria masculinidade saudável é sistematicamente desestimulada desde a infância; ao mesmo tempo em que todo masculino é desconstruído e ressignificado nos garotos, e que o melhor homem de acordo com os ditames da mídia e da academia é aquele que renuncia ao próprio sexo em que nasceu, pergunto: o que acham que está acontecendo?

Não se pense apenas nas nossas relações imediatas de cada dia: quando se olha para a vida comezinha diária, tudo ainda nos parece tediosamente normal. Todavia, chegará até nós tais maluquices, mais cedo ou mais tarde, não se enganem. Ao menos, a intenção é esta. Porém, tudo começa pelas chamadas elites, tanto a endinheirada, onipresente e invisível que financia este movimento todo, quanto a elite midiática que penetra nos lares, além da intelectualidade que determina toda a pedagogia formadora dos cidadãos do futuro — as crianças, meninos e meninas.

Para se ter uma idéia, já há relatos de garotos de 17, 18 anos que temem se aproximar e conversar com uma menina de mesma idade. E as meninas, por sua vez, não conseguem mais travar um diálogo fluente e normal com eles, sem se fazerem desnecessariamente de superiores, e julgarem cada termo do diálogo classificando-o de acordo com os ditames do feminismo ou do politicamente correto que aprenderam, intencionalmente ou não. Haverá alguma possível relação amorosa que resista a tal policiamento?

Entendem? Por mais ridículo que pareça (pense em quantas coisas nos pareciam ridículas em, digamos, 1987, e hoje são normais), a relação heterossexual, aquela que nos gera a todos, héteros ou homos, está sob ataque — ainda sutil, sim, ainda em germe — mas está. Claro, tudo sob pretextos belos e iluminados, tais como combate a machismos ou a assédios sexuais por parte dos malignos homens, todos eles, justamente quando a taxa de testosterona é a menor da história (o rosto de Justin Bieber não me deixa mentir).

Os pontas de lança deste movimento histérico são a mídia americana televisiva e de Hollywood, ambas financiadas pelas elites bilionárias e suas respectivas fundações. Há três décadas, os males da esquerda internacional concentravam-se em Moscou. Hoje, concentram-se nos Estados Unidos, mais precisamente no Partido Democrata e seus militantes midiáticos perfeitamente obedientes a seus senhores.

A continuar assim, tempos sombrios avizinham-se, preparemo-nos todos. De minha parte, espero sinceramente estar errado em minha previsão.

Marte
e Vênus

O MUNDO foi de Marte, hoje é de Vênus. Quando e se a era venusiana declinar, o mundo voltará novamente ao estado marcial, por força da contingência.

Eis como tal coisa sucede.

Marte e Vênus alternam-se ao longo das eras, em períodos cíclicos. Marte, por meio das guerras e da força bruta — à custa de muito sangue, músculos, cérebros e vidas inteiras — cria e estabelece a “normalidade” na sociedade humana. O deus vence o mundo hostil e o conquista. Funda (ou refunda) civilizações, nações desenvolvem-se; e, paulatinamente, aquela brutalidade inicial torna-se desnecessária, cedendo lugar à paz, à beleza e à graça. A existência como um todo suaviza-se: inicia a era de Vênus.

Então, a feliz estabilidade das sociedades perpassa os séculos, e as gerações que se sucedem, uma após outra, esquecem-se do árduo trabalho empreendido por Marte para se alcançar este estado de felicidade, o qual, ao contrário do que aparenta, não é perene. A dominante Vênus, acomodada e ingrata, menospreza a origem de sua força e de sua vitalidade e, desdenhosa, entrega tudo ao inimigo, sem o saber.

Quando Vênus domina ostensivamente a existência sem a contraparte que a equilibra, ela tece e molda os pensamentos humanos de maneira oblíqua e temerária. Princípios e valores até então intocáveis invertem-se, insurgem-se contra Marte, hostilizando-o. Dádivas penosamente adquiridas, não por ela, são descartadas como se procedessem de infinitas fontes; dádivas às quais a deusa não fora capaz de criar, tampouco de garantir, apenas de usufruir. Se Vênus reinar só e, inconseqüente, não retroagir de nenhuma maneira, o Bem finalmente se perderá.

Marte será convocado à ação novamente. Ou age depressa ou todos perecem: os homens, as mulheres, toda a civilização humana. O ciclo épico recomeça, e a humanidade torna-se novamente a argamassa que reconstrói o mundo: o mundo marcial é bruto, indômito, implacável. Sem Vênus, retorna a barbárie, os cadáveres empilhados, o sangue que tingirá as bandeiras e as flâmulas dos povos, até que os mais fortes prevaleçam.

Do equilíbrio de forças entre Marte e Vênus advém o equilíbrio da vida humana na Terra. Deuses sucedem-se por eras, e podem fazê-lo, imortais que são; nós, porém, sem a harmonia das forças divinais, pereceremos todos.

Portanto, que Vênus e Marte estejam permanentemente em paz. Para o Bem de todos, mulheres e homens, mortais que somos.

A arte do
romance

ROMANCISTAS não são apenas narradores ou contadores de histórias. São também artistas da língua que penetram por entre as “malhas” da vida e da realidade, com sensibilidade e argúcia, e internalizam em si a verdade das coisas, sem sentenciar, pontificar ou julgar. Sutilmente.

Ser romancista é a plenitude da literatura. Afinal, onde mais, a não ser no romance, se pode descrever múltiplas faces da existência, faces por vezes caleidoscópicas reunidas numa mesma personalidade, a não ser neste gênero literário? A filosofia e a poesia não são capazes de tal, nem se propõem a tal.

Romances dão “material” à filosofia. São nobre arte, e os romancistas, artífices habilidosos e capazes.

Não vejo com bons olhos quem leia de tudo, exceto romances. Ou mesmo faça leituras protocolares do gênero somente para fins de “repertório”. Parece-me sinal de imaturidade intelectual, não apenas questão de gosto.

Consumir livros de “afirmação” com teses rígidas e prontas ou textos “digeridos” do cotidiano tal como crônicas e ensaios, podem e têm lá seu valor. Mas somente o romance constrói e amplia a visão das coisas. Não vende certezas, pelo contrário; por vezes as destrói e as confunde, despertando mil perspectivas ao longo do tempo. (Claro que me refiro ao melhor produto do gênero).

Romances são as leituras primordiais de quem sabe que nada sabe. E são justamente estes os que mais sabem, paradoxalmente.

A “morte” do
amor romântico

O ROMANTISMO morreu no Ocidente. Mataram o romantismo no Ocidente. A hipervalorização do sexo e da sexualidade em si mesma, o culto deliberado do prazer corporal e de orgasmos como direito político-ideológico sufocaram o romantismo, estrangularam-no pouco a pouco, a ponto de hoje este transformar-se numa caricatura distante, cuja expressão é sistematicamente sonegada nas representações artísticas, nos filmes, na música (especialmente nesta), nos programas televisivos e nas propagandas em geral.

Ao mesmo tempo, a cada dia que passa erige-se uma espécie de culto pagão, não ao amor romântico, mas ao resultado final abstraído deste mesmo amor: a relação sexual. Funciona mais ou menos como raspar a cobertura do bolo, comer a cereja que o confeita e jogar o resto fora. O bolo, o conjunto inteiro, não é mais importante. O gesto e o símbolo que ele celebra, tampouco: raspa-se a cobertura, come-se a cereja, descarta-se a massa, e basta.

Este culto ao sexo não se refere apenas às relações sexuais propriamente ditas, mas a um sexo “ideologizado”, reivindicado nas ruas por manifestantes revoltosos, com cartazes erguidos e punhos cerrados em riste; um sexo sem “seiva”, feio, grosseiro, propositalmente vulgar e desejado por ninguém, produzido em massa nas cátedras universitárias e defendido em sisudas teses acadêmicas; um sexo exigido como “direito político” ou, na mais concreta das hipóteses, como mera promoção dum ato biomecânico entre dois ou mais (!) seres humanos, nos quais as respectivas funções genitais são empregadas com a finalidade de se obter prazer físico e sensorial, verter e trocar fluidos corporais, e só.

Como o entorpecente ao viciado, este sexo que substituiu o amor romântico funciona como um estimulante qualquer, cujo único objetivo é a busca da mera “sensação” instantânea: de preferência, devidamente carimbada, oficializada pelos órgãos do Estado e garantida por lei.

Então, tem-se de um lado este “sexo político” de ensandecidas intelligentsias e militâncias, charmoso como um paquiderme; e paralelo a este, oferece-se às massas um sexo “mecânico”, mero “estimulante sensorial”, desumanizado e cínico que as mídias em geral retratam. E lá fora, bem à margem, vagueia o amor romântico, existente apenas como nostalgia de quem viveu noutros tempos e que, para reencontrá-lo, precisa-se garimpá-lo em filmes antigos ou em antigas canções disponíveis no YouTube, por exemplo.

Mas, e quanto às novas gerações, que já nasceram alijadas deste amor romântico sem eco no mundo à sua volta? Para cultivarem o romantismo naturalmente percebido em si e sufocado por mil barreiras, elas dependem também de uma espécie de “paraeducação clandestina”, clandestina posto que ausente dos meios oficiais e escamoteada propositalmente dos entretenimentos de massa.

As novas gerações, para dar vida ao romantismo presente em si, dependem de um necessário cultivo pessoal e oculto obtido por esforço, já que não existe mais nada que expresse e alimente o amor romântico na cultura vigente, tal como outrora. Eis aqui uma opressão que nenhum grupo organizado se dispõe a denunciar. Nada mais sintomático.

Jeitinho brasileiro
é para poucos

— O TAL “jeitinho brasileiro” só persiste porque brasileiros em geral não percebem que burlar regras para levar vantagem é luxo disponível apenas para ricos e influentes. Pobres e classe média pouco remediada, quando aplicam o jeitinho brasileiro inadvertidamente, levam de volta um trabuco muito pior. Ao pobre, o melhor é seguir as regras e aproveitar as oportunidades que obtém dentro dos meios oficiais, galgando pequenas (e sólidas) vitórias. Mas muitos não se dão conta disso, iludem-se com uma sorte de malandro que não possuem, e se estrepam.