O ensino no
Fernandisburgo

INVENTEI um país, o Fernandisburgo. No Fernandisburgo, o ensino é assim:

A criança ingressa aos 8 anos. Aprende língua portuguesa e latim (o Fernandisburgo é bilíngue): leitura, gramática, compreensão textual, produção literária e retórica. A modalidade ocupa 50 por cento da grade curricular.

Em matemática, leciona-se intensivamente as quatro operações fundamentais (e um pouquinho de frações, porcentagem, matemática financeira e geometria básica). No ciclo intermediário, contabilidade. No fim do curso, exponenciação e radiciação, de leve. Preenche 30 por cento da grade.

Depois, estudos de cidadania e artes manuais completam o currículo: ambas as disciplinas ocupam 10 por cento da grade cada uma.

A duração do curso é de sete anos. Aos 15, o jovem, após orientação vocacional, pode ser encaminhado a um curso técnico (há opções para diversos ofícios úteis à sociedade) e começa a trabalhar. Caso prefira e demonstre aptidão, faz um exame preparatório e segue carreira acadêmica, como pesquisador ou docente.

Somente na formação universitária o aluno aprende especificidades como logaritmos, angiospermas, gimnospermas, ácidos, bases ou sociologia.

Para a carreira artística, nenhum diploma é requerido: o único critério é o talento reconhecido pelo público e crítica, apenas.

No Fernandisburgo, as empresas são proibidas por lei de exigir diploma superior para funções técnicas de nível médio.

Seremos uma nação próspera e um berço de gênios, com toda certeza.

Soa absurdo? Acaso seu país tem algo de melhor para ensinar ao meu?

*Ah, sim, quase esqueci. O Fernandisburgo não é filiado à ONU.

Os sem-carisma
e as redes sociais

CARISMA ou você tem ou você não tem, já dizia certa propaganda. Quando se tem carisma, até palavrão vira poesia. É um feitiço misterioso, um charme inexplicável, um solzinho particular o carisma: dele todos querem ficar pertinho, se aquecer, se iluminar; flores em botão abrem-se ante os raios que o carismático emana.

Mas não vou falar dos carismáticos, muita gente já tratou deles. Quero falar com você, pessoa normalzinha, de uma aura meio acinzentada e sem graça; você que não desperta interesse algum. Já era hora de alguém falar com você. Vou identificá-lo como sem-carisma, para facilitar as coisas, ok?

Os sem-carisma sofrem em tempos de rede social. Quando alguém carismático posta algo banal na rede, coisa bobinha, uma foto da obturação no dente por exemplo, ganha logo uma penca de likes, risinhos, comentários fofos e engraçados, solidariedade “ui, Rê, doeu? Tá tudo bem? S2”. Quem vai lá no perfil do carismático vê: 4.990 amigos, 12.955 seguidores (ou muito mais). “Como assim?” pensa o sem-carisma. “Essa daí só posta bobagem!” Fale a verdade, dá uma inveja…

Com frequência, o sem-carisma é justamente aquele que comenta posts de carismáticos. Caixas de comentário são o habitat dos sem graça nenhuma, é preciso dizer. Muitos, almejando um destaquezinho que seja, vivem à sombra dos charmosos, como se a interação virtual os jogasse instantaneamente para o lado dos bacanas. O truque não funciona: então, deprimidos, eles verificam que continuam lá, no cantinho dos desinteressantes, mesmo com aquele comentário tão sublime, tão pertinente… Pôxa, é duro.

Sabe o que acontece, sem-carisma? Você é legal, sim. No fundo, é. Só que algo trava contigo, algo não decola, falta uma coisa astral, entende? De modo que os haters são o efeito colateral de ser sem-carisma, um estado extremo adotado por aqueles que cansaram de tentar ser legal na internet e não conseguiram. Daí, viram a casaca, revoltam-se.

A coisa é séria. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem até cursos de carisma, de charme. Psicólogos, coaches, especialistas auto-proclamados de todo tipo oferecem, por módico valor, a arte do magnetismo pessoal. No fundo, fica implícito que timidez e introversão são uma espécie de doença que deva ser curada. Eles vendem que carisma se aprende. Pessoalmente, duvido.

Deixar a timidez e o estilo reservado é contrariar a natureza. É negar a própria personalidade (e aqui descambo para a auto-ajuda). O mundo parece forçar quem não tem carisma a tê-lo, compulsoriamente. Daí, você finge. E sofre.

Tá, antes que narizes formiguem e olhos marejem, vou ao meu ponto: dá para sobreviver sem carisma nas redes? Claro que dá. Em primeiro lugar, não tente fingir, não force para ser agradável e engraçado, bancar o divertido, algo assim. Sem-carisma quando posa de carismático, ou é ignorado sumariamente ou ganha lá uma aprovaçãozinha assim pequenininha, uma caridade, por pura dó — o que é uma forma de humilhação.

“Seja você mesmo” diz o velho conselho. Não tente imitar ninguém. A essa altura você já entendeu que não tem carisma mesmo, e daí? Você não pode brilhar de outra maneira? Talvez não seja o popular, é verdade, mas se sentirá confortável consigo mesmo quando nem se preocupar mais com isso. Cá entre nós: você quer realmente ser popular? Quer ter puxa-sacos, inimigos, stalkers, haters e coisas do tipo? Receber inboxes de gente esquisita? Olha, viver bem e em paz é muito melhor. Perfil lotado em rede social é vulgar, e pode ser um aborrecimento no fim das contas. Administrar reputação virtual — tem coisa mais chata?

Carisma parece a coisa mais importante do mundo, mas não é. “Também não acho, mas duvido que tudo isso aí acima funcione.” Funciona sim, meu pobre sem-carisma desiludido. Funciona sim. Veja, você mesmo chegou até aqui e leu tudinho, não leu? Então.

Pensando
bem…

SABEDORIA é ser senhor das próprias reações.

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Não há canalha que não seja gentil.

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Impossível: convencer um burro da própria burrice.

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Indignação de brasileiro, no fundo, é pura inveja.

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Quem fala asterístico não dá certo na vida.

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Apontar os maus não faz de alguém um dos bons.

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A moda cria; a indústria massifica; a mídia populariza; o povo vulgariza; a moda acaba. E o ciclo recomeça.

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Não há medíocre insatisfeito consigo mesmo.

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Inteligentes se cobram demais; os idiotas se acham preparados.

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O bom gosto é sempre discreto.

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Não leu romance e poesia? Tudo o que leu, não valeu.

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Ama multidões os muito tontos e os muito espertos.

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Medíocres só elogiam consensos.

Há solução?

A ARROGÂNCIA da humanidade atual reside na noção de que todos os males sociais e humanos podem ser resolvidos pelo próprio homem. Para tudo há uma solução prática, à mão, basta vontade e um projeto. Por trás dessa noção há um pensamento arraigado, oriundo das filosofias modernas e filho da revolução francesa, que enxerga na política a redentora laica da humanidade.

A arrogância da solução – chamo assim – é patente na política oficial e no trabalho de think tanks, de ONGs, de ativistas e engajados mundo afora, que agem como sacerdotes sem divindade. É a ilusão do mundo ocidental: a mania de resolver, na marra e artificialmente, os males da sociedade, em nome da “democracia” e de valores abstratos, sem qualquer raiz espiritual; ao contrário, por vezes, negando-a.

Males da alma culminam nos males sociais, e estes não podem ser entendidos em profundidade, por mais que se debruce sobre eles e se tente estudá-los “cientificamente”, em departamentos de Universidade e órgãos de pesquisa. As causas espirituais do mal não podem ser detectados por qualquer conhecimento puramente humano.

Seja pelo diálogo, pelo protesto, pelos discursos; seja pela violência, guerras ou conflitos; seja pelas negociações nas mesas redondas internacionais, as nações parecem dar voltas em círculo, acreditando chegar a algum progresso humano com base na mera fórmula política de administração da sociedade. Tudo advém da idéia de que o homem é autossuficiente, evolui necessariamente, redime a si próprio. Deus? Superstição vaga, distante e tola, que nós, democratas e plurais que somos, concedemos às massas o direito de acreditar e seguir, enquanto assim desejarmos.

Mas a verdade é esta: há problemas para os quais não há solução. Nenhum poderoso diz isso abertamente, ninguém confessa. Talvez seja por orgulho, por interesses mesquinhos, ou mesmo para não espalhar o pânico geral. No “reino laico”, as poucas melhorias possíveis são mecânicas e efêmeras, sem amor ao próximo, sem nenhum lastro na Eternidade.

Quando as medidas humanas fracassam, o establishment não admite sua fraqueza patente e vexaminosa. Parte, antes de tudo, de um orgulho cheio de si, o qual, quando falha por completo, culmina em morticínio: uma olhadela nas experiências políticas desastrosas do século XX demonstra isso claramente: nunca se matou tanto quanto na era dos “regimes políticos ideais”: nazismo, fascismo e comunismo (este último ainda vivo, defendido, disseminado e plenamente operante).

Por outro lado, a abordagem cristã, modesta e humana, admite sua limitação. A caridade cristã trabalha em melhorias pontuais, aqui e ali. A força motriz da assistência social, no cristianismo, é o amor ao próximo, que atua pela disposição e boa vontade das pessoas comuns dispostas a ajudar. Não refiro-me ao cristianismo oficial, vinculado à estrutura de poder, o qual sempre se transmuta em outra coisa. Falo da base cristã na família, na paróquia, no vilarejo, na comunidade local; caridade que nasce na convivência natural entre as pessoas, alheias à ingerência de grandes instituições e às ideologias pretensamente “progressistas”.

Sem Deus, sem Cristo, não há boa vontade para estender a mão a quem precisa. E a boa vontade, quando inexiste, primeiro relega seu dever a um ente abstrato, o Estado e seus instrumentos; incapazes de prover a necessidade prometida, o Estado falha. A sociedade, desamparada, mergulha no cinismo, no egoísmo, na apatia e no niilismo: ninguém confia em ninguém, a descrença é geral. Neste estágio, para não cortar os pulsos ou algo parecido, as pessoas recorrem à busca de satisfação e prazer, a qualquer custo. A sexualidade, supervalorizada, é distorcida e instrumentalizada, perdendo seu sentido benéfico e natural.

Só o Criador alegra e preenche a alma do ser humano, dando-lhe significado. Não pode haver boa-fé e amor ao próximo sem se crer no Bem superior, Cristo: de sorte que nunca houve época tão cínica quanto a nossa. Num mundo assim, o bem não se estabelece, não enraíza e não dá fruto. O resultado é a infelicidade geral e, no limite, a barbárie.

*Ilustração: Matt Cunningham

Pra começo
de conversa…

ESTE PRIMEIRO post sai numa mídia um tanto antiquada: o blog. Eles já tiveram sua era de ouro, entre 2000 e 2010, até ceder um bocado da audiência às redes sociais. Pessoalmente, sempre gostei de blogs. Gosto até hoje. Talvez estejam meio fora de moda. Para mim, sem problemas. Sou da geração que viu a Internet nascer, crescer e evoluir (ou involuir, a depender da abordagem) e ainda leio blogs com frequência. Por essa mídia conheci ótimos escritores, alguns profissionais mainstream hoje em dia, revelados por eles. Por isso, creio que eles ainda possuam um público fiel.

Mas por quê, passados esses anos todos e ciente da perda de audiência – especialmente para o Facebook – por quê alguém ainda publicaria seus textos nesta mídia, de modo tão retardatário? Problema de timing?

Possivelmente seja, não nego. Porém, há outras razões para se fazer um blog. A maior delas é a qualidade de conteúdo que ele pode oferecer. Nos Facebooks da vida, o texto entra no limbo das timelines entulhadas de vídeos, memes, virais, propagandas indesejadas, o escambau, que pipocam via algoritmo. Não, não quero ser chato: admito que isso tenha lá seu lugar, sua graça. É a bola da vez. Mas as idéias ficam ali, espremidas no meio daquilo tudo, torcendo para que alguém as leia, para então perder-se instantes depois.

E mais: no seu perfil de Facebook, os leitores fatalmente serão seus amigos e possíveis seguidores. O problema é que, a menos que você seja um influenciador profissional, nem todos estarão interessados no que você tem a dizer; ao contrário, é bem capaz que eles, ao verem o que você escreveu (verem é o verbo, pois passam rapidamente pelo post e dificilmente lêem), te ignorem ou te achem um mala sabichão, algo metido à besta ou no mínimo alguém esquisito. Convenhamos, não é exatamente a situação ideal para quem ousa escrever algo mais denso, com alguma substância.

E quanto ao blog? Em contrapartida, ele possibilita uma coisa interessante, bonita mesmo: de certa forma, ele é escolhido. A pessoa visita a página como quem vem à sua casa e o melhor, faz isso porque quer, porque se interessa. Quer um conteúdo mais relevante, mais interessante, quem sabe um escape para sair do bombardeio alucinante (ou azucrinante) das redes sociais. É um alívio para quem, calmamente, busca respirar ar fresco ou tomar um “cafezinho virtual”. E não é isso que as redes sociais deveriam ser, no fim das contas?

Então, ficamos assim. Publicarei por aqui coisas legais, outras nem tanto, algumas ranhetices, filosofices, literatices, e por aí vai. Tentarei não ser piegas, cabotino ou outras coisas feias. Com o tempo, a gente pega o jeito…

Por enquanto, muito obrigado e seja bem-vindo. Até!

*

P.S. Quanto a mim, pessoalmente, não tenho credenciais vistosas nem carteiradas a dar, sinto muito. Não sou famoso, titulado, condecorado, acadêmico, nada do tipo. Tenho um, aspas, diploma universitário, o que significa um passe precário para o infame “mercado de trabalho”. Escuso-me a apresentá-lo. O que eu gosto é de escrever e escrevo há um tempinho. Tenho outro blog, de poesia, há três anos no ar. Se quiser dignar-se a clicar, deixo o link: www.letranascente.tumblr.com. “No tumblr, Fernando?” Sim, no tumblr. É que sou tímido.

*Ilustração: Eugenia Loli