Mulher pelada

Tempo de leitura: 7 minutos

Não sei o que deu na dona Lúcia que um dia foi me chamar lá em casa. Quer dizer, foi chamar minha mãe e pedir que eu fosse brincar com o Gil, filho único dela e do pai que trabalhava na Voith (o pai fazia questão de dizer que trabalhava na Voith; devia ser importante a Voith). O Gil estudava na minha escola. Não vou dizer que era um amigão, não. Mas era legalzinho, tranqüilo, o Gil.

Também a dona Lúcia era amiga da minha mãe (colega: minha mãe dizia que amigo é uma palavra muito forte e que a gente tem colega; amigos são poucos). Mas a minha mãe fazia a feira com a dona Lúcia toda quinta, então ela deixou eu ir brincar lá, rapidinho. Foi bem tranqüilo. E outra, a casa dele ficava na rua de baixo, bem perto. Lá nem passava carro direito.

Na hora eu fiquei admirado do tamanhão daquele quintal, nos fundos, porque o acesso era por um corredorzinho estreito que mal passava um Fusca. A casa do Gil ficava bem lá atrás, depois de um corredor compridão. Não era a casa principal. A casa principal era a grandona de cá, uma cor de mostarda com jardim na frente. Quem morava nela era a dona Elza, que além de velha era viúva, pelo menos todo mundo dizia isso.

A dona Elza dava um pouco de medo porque ela ficava enfiada naquela casona e quase não saía de lá. Tinha uma capelinha no jardim e ela acendia várias velas de sete dias, daquelas grossas que nunca apagam. Era esquisita. Outra coisa, ela usava calça de homem, social. Ela mandou arrumar as calças do falecido pra caber nela, acho. Outra coisa que eu me lembro dela (é meio chato de dizer, mas fazer o quê?): quando a dona Elza passava, subia um cheiro de mijo. Acho que ela fazia nas calças, coitada. O cheiro era forte, desculpa falar.

Mas a dona Elza ficava lá na casa maior. A gente ficava aqui no quintal brincando: embaixadinha, golzinho; depois, jogar bafo; depois, Super Trunfo. Nossa, o Gil pirava no Super Trunfo. O dele era aquele de caminhão, mas aqueles dos Estados Unidos tudo cromado, com pintura de fogo. Aqui no Brasil só tinha aquelas jabiracas da Mercedes, aquela da frente redonda que solta fumaceira. Os do Super Trunfo eram tudo altão, quadradão, gigante.

Eu só fingia que jogava porque sabia bulhufas de cilindrada, torque, cavalos HP não-sei-que-mais. O Gil ganhava, lógico, e isso deixava ele mais a fim de brincar daquilo. Eu achava chato. A melhor parte era soltar pipa, peixinho principalmente. Peixinho era mais legal, porque ninguém queria cortar peixinho. Lá no alto, o peixinho ganhava do pipão. Era desbicar, cortar e aparar, já era. Então ninguém tentava cortar a linha da gente. Era bem legal. Mas às vezes não tinha muito vento ou sei lá, daí o Gil não queria saber de peixinho.

A dona Lúcia pegou confiança na gente e nem ficava vigiando muito a brincadeira. Às vezes, ela saía pra fazer alguma coisa lá fora, ia no banco, no supermercado. Deixava a gente lá, brincando. Como era pertinho de casa, não tinha segredo: se me enchesse o saco brincar, eu voltava pra casa. Ficou combinado assim.

Uma vez a dona Lúcia saiu e deixou a gente com a dona Elza, a meio doida da casona. Ela falou que tudo bem, olhava a gente. Olhava nada, ela nem saía daquela casa. Naquele dia, eu lembro até hoje, a dona Elza ouvia na maior altura uma música do RPM, aquela loiras geladas vêm me consolar.


Então o Gil ficou meio esquisito, meio desconfiado. Chamou pra ir até o quarto dos pais dele.


Não, ela não tinha idade pra essas músicas, o que é isso. É que ela era meio surda, coitada, e botava o rádio no último volume no programa do Paulinho Boa Pessoa. Daí passou a música do RPM. Nossa, aquilo tocava toda hora, até enjoava.

Então o Gil ficou meio esquisito, meio desconfiado. Chamou pra ir até o quarto dos pais dele. Tinha lá uma daquelas camas com baú na cabeceira, acho que das Casas Bahia. Ele falou: “se liga nisso”. Levantou a tampa do baú, tirou travesseiros, cobertores, e mexeu lá no fundo. Tirou umas revistinhas. Eu fiquei com o coração acelerado de medo. Acho que não devia mexer com aquele negócio, não sei, parecia sujo, proibido. Ele senta na cama e começa a folhear as revistinhas, e eu ali, sem graça: o cara com a boca na mulher, a mulher com a boca no negócio do cara. O cara tinha um bigodão e parecia pilantra, mas a moça nem ligava, não sei. Nem vou falar o resto, isso-naquilo-aquilo-nisso. O Gil falava um monte de palavrão pra fingir que manjava de tudão, fingir que estava acostumado. Mentira, até parece. Aí ele ouviu um barulho lá fora e guardou tudo rapidinho no baú de novo.

Eu fiquei com medo porque achei que ia sobrar pra mim. Eu sempre achava isso. Não sei, eu tomava bronca sem motivo. Minha mãe contava pro meu pai e ele dava a surra logo pra se livrar e não perder o jornal. E se o Gil mentisse, e se ele dissesse pra mãe dele que fui eu? Mas como eu ia adivinhar que tinha aquelas revistas lá no baú? Sei lá.

Eu sei é que não quis mais brincar com o Gil. Falei pra minha mãe que não queria mais. Não contei nada daquilo pra ela, louco? Também ela nunca tocou no assunto. Morreu, passou. O que será que aconteceu lá na casa do Gil? Pensei um tempão. A gente tava de férias, nem vi ele na escola pra perguntar.

Sei que depois os pais do Gil compraram uma casa e se mudaram dali. E o segredo foi embora junto. Nem demorou muito e a dona Elza morreu também, coitada. Os filhos venderam o casarão cor de mostarda com jardim na frente, daí vieram, derrubaram tudo e fizeram outra casa enorme lá.

*      *      *

Depois de um tempo, minha mãe deixou sair na rua sozinho, brincar com os moleques. Mas eles eram meio folgados. Eu não gostava, não. Tinha um terreno baldio ali perto, bem na frente da casa do seu Ítalo. O seu Ítalo mudou do casarão depois que ficou viúvo e alugou a casa dele. Quem morava lá agora era uns uruguaios. O marido, Gualter, tinha uma Kombi e vendia ovos na feira. A casa toda fedia a ovo, eu me lembro: é que depois fui lá brincar com o filhinho deles às vezes. Mas depois falo disso. Agora eu ia brincar de aventura no terreno baldio da frente. Eu era o Indiana Jones, eu explorava a floresta perigosa. Floresta só de capim e pé de mamona, mas tudo bem.

Um dia, eu vi uns papéis rasgados lá num cantão do terreno. Fiquei curioso. Não tinha ninguém olhando. Fui ver o que era. Era revistinha rasgada de sacanagem (minha mãe falou que sacanagem é palavrão). Mas tinha um monte daquilo. E tinha umas revistas escrito International que só tinha umas loiras. Não parecia do Brasil, não, porque o peito das mulheres era da mesma cor até na ponta. Era diferente. Eu fiquei olhando, o coração acelerado. Era errado, mas sei lá, eu via. Era estranho. Aquilo me chamava.

Não contei pra ninguém. Ficava meio tonto com aquilo, meio bobo alegre. Eu nunca contava nada pra ninguém, porque todo mundo ia falar mal, dar chilique. Ninguém sabe conversar direito essas coisas. Então pra quê, né? Piorar tudo? Melhor ficar quieto.

Lá no terreno baldio eu vi as folhas rasgadas algumas vezes. Mas uma vez eu fui mexer numas folhas debaixo de um bloco quebrado. De repente uma aranha armadeira saiu correndo atrás de mim, juro por Deus. A armadeira ataca a gente, ela corre atrás. Eu saí num pinote que nem doido até a rua. Acredita que ela saiu do terreno e veio atrás de mim, a desgraçada? (Minha mãe falou que desgraçado é palavrão, não pode falar desgraçado). Daí eu peguei um pau da rua e taquei nela. Foi de longe, acho que ela não morreu, só dobrou as patas pra dentro. Fiquei na calçada esperando, até que um Chevette bege passou por cima dela. Filha da mãe.

Então depois disso eu fui brincar na casa do seu Ítalo, aquela alugada para os uruguaios. Eles tinham um molequinho, deram um velotrol pra ele e pediram para eu ir brincar lá. A casa era grande, na esquina, tinha um quintalzão gramado, um limoeiro que dava pra subir. Era até legal.


Que graça tem amarrar a mulher e abusar dela amarrada? Meu Deus. Aquilo me deixou mal, viu.


Um dia, a Raquel (a uruguaia lá) me pediu pra buscar o cigarro no criado mudo do quarto. Ela só fumava o Plaza. Só que eu não achei o maço onde ela falou e, pra não perder viagem, abri a gaveta do criado mudo pra procurar. E o que tinha lá, chuta? Revistinha de mulher pelada. Nossa, parece perseguição. Nem abri nada, mas lembro da capa: uma moça de costas, pelada, lógico. Estava ajoelhada e amarrada com cordas com uns caras em volta. Eu lembro bem disso. Que coisa. Que graça tem amarrar a mulher e abusar dela amarrada? Meu Deus. Aquilo me deixou mal, viu. A Raquel via aquele negócio? Mas pra quê?

Passou, e chegou o fim de ano. O Gualter (o uruguaio) tinha um depósito de ovos numa salinha improvisada. O cheiro ali era insuportável. Aí eu fui lá buscar não sei o que e vi um bolinho de papéis ali, preso num elástico. De longe pareceu o Super Trunfo do Gil. Eram calendários de bolso. Cheguei perto e estava virado do lado das datas, meses, tal. Quando eu virei, era tudo de mulher pelada, um monte. Eu lembro de uma coisa: vou chamar de peruca. Era cada perucona ali. Será que ele ia dar aquele calendário pra freguesia? Imagine minha mãe recebendo um daquele na feira.

Então foi assim que eu conheci mulher pelada, sem querer. Conheci nas fotos, pelo menos. Na minha casa nunca teve aqueles negócios, não que eu saiba. Ah, não mesmo. Fora que isso nunca foi assunto lá em casa, nunca, nunca, nunca. Meus pais nunca falaram disso com a gente. Mas também, de um jeito ou de outro a gente ia ficar sabendo, mesmo; eu acho que era por isso que eles não falavam. Esse aí foi o jeito que eu soube.


Originalmente publicado na newsletter Prosaica edição 40 (19/1/2025)



Texto 100% Criação Humana / 0% Inteligência Artificial
(Selo criado por Beth Spencer)

O gordinho
do videogame

Tempo de leitura: 6 minutos

Na rua tinha a turma e tinha o gordinho do videogame. O pessoal falava que a mãe dele era gerente de banco e acho que era a única mulher da vizinhança que trabalhava fora. Nossas mães eram só mães mesmo, e isso não era pouca coisa não.

Mas a mãe do gordinho do videogame era a única que trabalhava fora e saía de carro para trabalhar, um carro novinho e grandão igual ao do Antonio Fagundes na novela. Quase ninguém tinha carro na rua. O pai do Binho tinha um Passat cor de pamonha que derramava óleo e o pai do Zóio tinha uma Belina que parecia abóbora descascada. Só eles tinham carro. Mas a gente nem ligava pra isso, a gente nem saía muito do bairro. Tudo era pertinho: a escola era pertinho, o mercado era pertinho, a feira, a padaria, a banca de revista, o campinho. Tudo pertinho. A gente nem pensava em carro.

Acho que a mãe do gordinho não deixava ele sair na rua pra não se misturar com a gente. Mas a gente não era moleque de rua não, a gente só brincava na rua depois da escola. Eu nunca faltava na escola e só tirava nota azul. Eu até gostava de estudar, e também meu pai que trabalhava na fábrica de geladeira dizia que, se eu repetisse de ano, tomava uma surra.

Uma vez eu vi no comercial que perto do Natal a gente podia colocar uns bilhetes na camisa do pai escrito assim, “não esqueça minha Caloi”, mas só se passasse de ano. Meu pai falou que ele trabalhava muito e que estudar era nossa obrigação, que Caloi o quê. Daí eu disse que o Fábio — que era meio bacana igual o gordinho do videogame mas brincava com a gente — o Fábio ganhou uma Caloi Cross do pai dele. Só que depois que ele ganhou, não brincou mais com a gente: só dava pinote na descida e empinava a bicicleta lá no final da rua. Acho que ele corria pra ninguém chegar perto e pedir pra andar.

*      *      *

Um dia, a mãe do gordinho do videogame começou a falar com um ou outro menino da turma. Sei lá, acho que ela queria testar quem falava o melhor oi, fosse mais educado: quem falasse o oi mais educado não ia ser moleque de rua.

Acho que venci o concurso de oi educado, porque a mãe do gordinho foi falar com a minha mãe depois — que foi atender o portão secando as mãos cheirando a cebola no avental — e a mulher perguntou se eu podia ir lá na casa dela brincar com o gordinho do videogame: “ele tem um videogame”, ela disse.

Eu já conhecia videogame, ué. Queria o Atari que vendia no Mappin, mas meu pai disse que era caro e queimava a televisão. Quando meu pai dizia não, eu nem insistia mais. Porque birra ele acertava na cintada, não tinha frescura. Quando ele dizia não, aquilo sumia da minha cabeça, puf, nem quero mais. Foi assim com o Atari.

Então minha mãe me levou no outro dia pra brincar com o gordinho do videogame na casa dele. Ó, eu não gostava daquele moleque, não queria ir lá. Falei pra minha mãe e ela me torceu um beliscão, “fica quieto, se comporta”. Então fui brincar com aquele moleque. Bosta, viu.

Sentei no sofá que quase me engole de tão mole, eu não achava jeito sentar naquilo. No começo, o gordinho parecia meio legal. Mostrou o castelo de Grayskull todo completo dele e depois a coleção do Comandos em Ação. Eu sabia, via no comercial. Caramba, ele tinha tudo que passava no comercial. Eu via aquilo tudo afundado no sofá, daí ele pegava cada bonequinho do He-Man e me explicava o nome, como se eu não soubesse. Bobão. Eu assistia o He-Man todo dia, vi todos os episódios até repetir tudo de novo, claro que eu sabia tudo. Ele até confundiu o Ciclope com o Fera. Eu nunca ia confundir isso.

Todo brinquedo que ele me mostrava eu falava “legal”. Ele nem deixava eu pegar nenhum direito, fora que eu fiquei com medo porque minha mãe avisou “não mexe em nada lá, viu?”. Quem disse que eu ia mexer? Aquela casa parecia uma loja, meu pai não deixava a gente ficar mexendo em brinquedo na loja. Depois se quebrasse ele tinha que pagar.

Depois o gordinho falou “fica aí” e foi buscar alguma coisa na geladeira bem grandona da cozinha. Pegou uma garrafinha de vidro com Toddy lá, não sei o que era, meio leite meio sorvete. Ficou tomando. Quando acabou, ele me chamou para o quarto onde ficava o videogame. Engraçado, ele tinha uma televisão só pra videogame? Eu achava que ninguém tinha outra televisão em casa, só podia ter uma. Lá em casa só tinha uma Sharp, colorida. A gente assistia de dia, a mãe de tarde e o pai de noite. Mas o gordinho tinha um Atari com dois controles e uma televisão só pra ele! Muito boyzinho…

Daí ele aperta aqui aperta ali e liga o negócio. Pega um controle e diz que o outro tá quebrado, “essa droga”. Também, ele puxava a alavanquinha parecendo que tinha raiva, tinha pressa. Lembro do joguinho que apareceu na tela, Homem-Aranha: o Homem-Aranha tinha que subir no prédio sem cair. Bem legal, viu.

Aí entendi porque o gordinho não tinha amigo. Ele falou “eu sei jogar, quer ver, duvida? Olha o que eu faço, ó, ó.” Eu nem falava nada. Até quis jogar um pouco, me chamaram, né? Teve uma hora que ele cansou, daí o videogame parou, a tela ficou preta. Aí ele tirava o cartucho e enfiava de novo com raiva. Nem era meu videogame e eu tinha medo que estragasse. Se fosse lá em casa, eu já tinha levado uma chinelada.

Daí o negócio funcionou novo, e ele todo suado falou “ô, quer jogar aí?”, daí eu falei “quero”. Eu nunca tinha jogado, nem sabia segurar o controle direito. Mas mexi com calma, devagarzinho, e consegui. Deu certinho: o jogo começou e eu fui mexendo devagar a alavanquinha, depois apertava o botãozinho vermelho, mexia, girava a alavanquinha… o Homem-Aranha começou a fazer uns movimentos diferentes, bem legal. O gordinho não gostou, tomou o controle com tudo da minha mão e disse “sai, você não sabe jogar”, aí ele tentou fazer aquele negócio que eu fiz e não conseguiu. Ele tentou várias vezes, aí deu um socão na televisão e disse “esse negócio quebrou, acho que foi você, né” e eu não entendi nada mas fiquei com medo, será que eu fiz alguma coisa? Se minha mãe ficasse sabendo e contasse pro meu pai, eu ia tomar uma surra.

Depois a moça empregada chamou a gente pra almoçar e eu não consegui comer de tanto medo. Também a comida era diferente e muito ruim, não sei o que era aquilo. Eu queria arroz, feijão, bife e batata-frita que minha mãe fazia. Aquilo ela um negócio verde enrolado que eu quase vomitei.

Daí o gordinho falou “vamos jogar bola lá fora”, aí a gente foi pro quintal dele. Eu só jogava bola na rua e no campinho, jogar no quintalzinho era ruim porque não tinha espaço. Mas nessa brincadeira eu era melhor, daí falei “então vamos fazer um golzinho aqui, ó” e coloquei uma trave de vasos lá. Ah, eu dibrava o gordinho e ele suava com aquela bochecha toda rosa, aquele cabelo caindo na testa. Botei ele de bobinho e fazia um monte de gol e ele ficou com tanta raiva que puxou minha camiseta, quase rasgou. Depois ele falou “foi você, foi você” e eu fiquei com medo de novo. A camiseta estragou, já era, minha mãe vai me bater.

*      *      *

A campainha tocou e era minha mãe. Ela só olha com cara feia pra minha camiseta e não fala nada. Ia sobrar pra mim, duvida? Ela fala um negócio com a moça empregada e me leva pra casa. Fiquei esperando a bronca, a surra, não sei. Não aconteceu nada, ainda bem.

Na outra semana, a mãe do gordinho veio falar com minha mãe de novo. Achei que o gordinho me dedou, aquele cuzão (não pode palavrão, limpa essa boca). Não foi nada, ela pediu pra ir lá brincar de novo. Minha mãe disse não, não ia dar não. Então não fui naquele dia e não fui lá nunca mais.

*      *      *

Sei lá, por isso nunca gostei muito de videogame. Depois do Atari veio o Master System, depois veio o Mega Drive, veio o Mini Game. Nem pedi nenhum pro meu pai. Também, ele me deu uma bola igual a da Copa e uma camisa do Brasil do camelô. Depois do jogo, eu jogava bola na frente de casa, eu era o Zico e o Careca às vezes.

Depois eu comecei a gostar de gibi e comecei a desenhar tipo o desenho do gibi. Eu gostava de desenhar e gostei tanto de ler gibi que nem quis saber mais de videogame. Agora eu era o John Byrne, o George Pérez e o Frank Miller.

Um dia, quando minha mãe me deixou andar sozinho no bairro, fiz questão de passar na rua do gordinho do videogame, só pra ver. Nossa… o sobradão parecia abandonado, a pintura descascando, o portão enferrujando. A casa tinha uma placa de “aluga-se” toda gasta, torta.

Eu acho que a mãe gerente de banco não morava ali faz tempo. Ah, o nome do gordinho era Jonathan, viu. O pai dele nem sei, nunca vi.


Originalmente publicado na newsletter Prosaica edição 21 (12/5/2024)



Texto 100% Criação Humana / 0% Inteligência Artificial
(Selo criado por Beth Spencer)