Como seria?

E, se além de nós nada mais existisse
Se não houvesse o natural verdejar
A imensidão da água no mar
Como seria?

Se não houvesse a raiva, o amar
Não nos viesse algo a pensar
Como seria?

Se não houvesse o certo, o contraditório
Nada a saber, tocar, sentir ou olhar
Como seria?

Se não houvesse hoje, amanhã, tempo algum
O quê mais haveria?
O quê existiria?

Se a idéia de idéia não fosse entendida;
Se a própria existência não fosse apreendida
O quê mais seria?

Eterno sono, sem saber que é sono
Sem jamais acordar…
Como seria?

Quem soubesse as respostas, tudo saberia
Mas, saber tudo isto
Como seria

Dias de sertão

Comi paçoca batida em pilão
Galinhada à lenha do fogão
Saudade me deu, foi tempo bom…
Cobra coral saltei no mato
Bagre e rã peguei no riacho
Comi farofa de tatu bola
Carne de bode assada, no tacho
Estaquei branco ao ver um teiú:
Aquele grande, quem já viu um?
Banhei debaixo da cachoeira:
Eita, delícia de água gelada!
E as cocadas? De imbu, buriti…
Morei ali, sertão baiano
Jesus, obrigado, eu já vivi!

Centro da cidade

Percorro do centro da cidade as ruas:
Que formigueiro de criaturas!
Um milhão de cores, de estaturas
Sportswears baratos, por todos trajados:
Da função primária deslocados, em portes inadequados.
Os smartphones, sempre empunhados,
Feito uma arma ou talvez companhia:
Que estúpidas conversas esse invento propicia!

Aqui, há um homem-máquina, geométrico, linear…
Dali, uma moça desfila a banal sensualidade de cada dia…
Ao lado, uma senhora aflita, a atormentar-se com quase nada…
Acolá, ouve-se um falar malandro dum pobre-diabo
Com suas pseudo-vitórias a relatar…

— Por Deus, será feliz essa gente, será?

Qual seu propósito, o quê as move, o quê pretendem, constroem?
Se morressem hoje, quem lhes choraria?
E na lembrança, o quê deixariam?

(…)

Tudo nesta cidade me parece compacto.
Caótica, tribal, moderna dança…
Não sei, afinal, quem é bom ou mau,
apenas espantam-me os detalhes:
As gentes me espantam, qual a uma criança.

Ó tempo, leva-me

Ó tempo, leva-me em tuas asas prateadas
Onde além de lembrança, haja abrigo
Tempo de prosas desapressadas
Mútuas confidências e reais amigos

Leva-me até a campina orvalhada
Junto a regatos, sussurro e assobios
Molharei os pés no frescor de tais águas
Saciarei a sede nos pequenos rios

Transporta à época, minh’alma pede,
Da gente simples, de falar gentil
Das casas onde sempre houve prece
Família à mesa e riso infantil

Ó tempo ingênuo, nunca mais se viu!
Época plena de intensidade
Quando se era feliz de verdade
Ó tempo, leva-me àquele Brasil!

Um santo

Deveras, um santo conosco andava
Naqueles dias, quem o saberia?
Seu puro semblante um brilho mostrava
Santa caridade calada exercia

O tempo dispunha, ouvia e ajudava
Mão estendeu a quem o mundo esquecia
Quieto e recluso, por vezes chorava
E não lamentava a dor que sentia

Imenso bem ele proporcionava
Mas, humildemente, nunca o media
Discreto e símplice, apenas doava
Justiça ou bondade a si não pedia

Sua força, pequena, toda empenhava
Do que tivesse sempre repartia
Um galardão, singelo, aguardava
Grã-recompensa era a dele, sabia

Pude conhecê-lo, o santo aqui estava
Se de santidade eu nada entendia
Agora percebo o quanto ele amava
Testemunhei como um santo vivia

Desafogo

Após a traição, o perverso sorriu.
— Deus, porque me deste consciência?
Pois ela agrava o mal a cada passo
E toda injúria pesa-me nos ombros.

Fujo e evito infortúnios;
Fujo de minhas contradições;
Fujo dum caráter claudicante;
Fujo do ridículo infamante;
Fujo do mal latente e potencial, errante.

Quanto ao perverso, o perverso não:
Ele faz o mal e se ri.
Dormirá ele leve, sem culpas?
Lhe doerá a consciência?
Como Asafe, vejo seu agir exato e frio…
Seus olhos não demonstram qualquer duvidar…
Segue e prossegue, confiante, altivo.
Ampara-se em quê? Apoia-se em quem?
Não tem consequência o seu errar?

(calo-me um momento e respiro…)

Indagações complexas num finito compreender.
Enquanto não há respostas, oro:
A Ti entrego meu viver.
Vingança não peço, tampouco justiça,
Pois não é justo meu querer.
Este fardo sinto e não posso esconder.

Leva-me para longe, ao Teu seio, Teu ar!
O mal do mundo cessará, assim? Não o sei…
Queiras Tu meu sofrimento encerrar.
Tua graça é tudo que preciso e rogo:
Venha com ela minh’alma abastar.

Do bem ao mal

O bem inicial, sutil e apaixonante
Despertou-me um ébrio e ingênuo amante:
Bem de cores mil, mui viçoso, tão vibrante
Envolveu toda minha boa vontade infante

Tal bem, que de início assim colorido
Murchou qual flor, e seu belo, exaurido:
Tornando – surpresa minha! – num mal dorido
O bem que enfim pensei ser meu amigo

A culpa, quiçá, foi de meu ego inocente:
Abrí-me qual uma rosa, puro e candente
Sem ver que rosa não é flor, somente

De espinhos é repleta, negando a perfeição
Assim é o falso bem, de igual incorreção:
Mal oculto há consigo e engana o coração.

Indignidade

quando não há mais que valorizar
fracassados ensinam a vencer
mentes cegadas fingem enxergar
criaturas vis assumem o poder

gente tão feia dita o embelezar
hipócritas lucram com falso ser
indolentes fazem-nos trabalhar
iletrados ganham para escrever

fúteis definem o quê admirar
néscios completos crêem entender
quem não conhece, mais tem a falar

há especialistas em nada saber
a alma brilhante vive a se anular
e indignidade mata o merecer

É verdade

É verdade, não sou o centro do universo.
               O mundo não existe por minha causa.
               Não passo de um medíocre — com esforço.
               Não sei escrever como gostaria.
               Não tenho dinheiro além do suficiente para sobreviver como gente.
               Sou brasileiro – não nego, não gosto: portanto, não alardeio.
               Sou esquisito; o que me traz certas vantagens (não conto quais são).
               Não meto-me na vida alheia: viva com suas escolhas e não reclame depois, eis a minha lei.
               Mudo década após década. Quando não mudar mais, “bem sei quem sou”, finalmente direi.
               Não exijo atenção: não mereço ser lido. Mas quem quiser — que honra! — seja bem-vindo.
               Desprezo a muitos, admiro a poucos e ignoro a maioria.
               Não me sinto bonito nem feio. Não penso no que vejo ao espelho.
               Não temo a morte. Morte é sono e eu adoro dormir.
               Creio em Deus. Ele existe? Em mim existe, e isso é tudo.
               Desprezo política: de sorte que põem-me na parte direita da arquibancada, sem que eu o peça.
               Sou sensível, porém macho, rapá. Porque gosto e gosto não se discute, certo? Errado.
               A maioria das músicas de que gostava na adolescência, ainda gosto, porém menos.
               É bom ficar velho: “ficar”, o processo; não “ser”, a condição.
               Sou boa pessoa. Não tanto quanto preciso, porém acima do que imaginam, imagino.
               E o mundo não existe por minha causa.
Ainda bem.

Pseudoconselho

Ficam proibidas as músicas românticas.
Ninguém mais ouse cantar músicas românticas!

Use a mente, somente; o coração não.
Não vês que a dissimulação é a única ação
aceita e aprovada — socialmente praticada?

Ora, ser romântico leva a nada…

Estes sentimentos, que trazes em ti?
Tão logo o expresses, alguém se ri!

Põe tuas melodias numa gaveta, trancadas
Pois românticos, hoje, são como bêbados
trôpegos e errantes na beira da estrada.