Viação gerúndio

Eu “podia” estar roubando!
Eu “podia” estar matando!
– Não, seu moço, não podia!
Não, não diga essa bobagem
Ponto a ponto, todo dia
Pode até vender produto
Toda sua mercadoria
Roubo, morte, não é pra tanto
Coisa boa há, todavia
Pense bem, por um instante
No seu lugar, eu faria
Quem sabe um dom escondido?
Talvez escreva poesia…

Vexame

O meu vexame
Teve platéia:
Fui humilhado
Diminuído
Devido à troça
Da patuleia

Hoje, ao revés,
Tanta vergonha
Dantes, tristonha
Desobrigou-me
Doutros agradar

Expectativas?
Sinto-me livre
Plenamente livre
De tamanho fardo
Pesado levar

Por meu ridículo
Mil satisfações
Ao gosto alheio
Hoje não mais
Tenho a prestar

De início, humilhou-me
No meio, mudou-me
Ao fim, libertou-me
O meu vexar

Noturno

Para nós, a sós
inexiste o tempo:
medível, contável

Há tão-somente
suave mistério
incontrolável

Possuímos parte
da eternidade
em movimento

Não temos forma:
somos ar, somos gás
liquefazemos

Não somos dois:
somos, apenas
acontecemos

Pura presença
verbo e luz
auto-existente

Sangue pulsante
semi-sufocante
em nós latente

Há algo agora
que não se pode
denominar

Falta-nos termo:
chamemos de amor
chamemos de amor
só por nominar.

A Fabiane Maria de Jesus

Numa tarde comum Fabiane saía
e só pedalando, em nada pensava.
Singela e tranqüila, quem imaginaria?
Grande tragédia por ela esperava…

Lá pelo bairro sorria e acenava,
em lúdica andança. Ela não cuidava
que algo tão simples desencadearia
tal bárbara horda, que a vitimaria.

Quando uma fruta, inocente, ofertava
a um pequeno, assim deflagraria
a fúria de bárbaros, que lhe assassinava.

Com ódio monstruoso, a turba imolava
a moça indefesa. E a quem não merecia,
o bem mais precioso, sua vida, doava.

Massa nacional

Meia dúzia de valentes
manobram a massa nacional
E em vilania, projetam domínio
De abrangência clara e geral.

A massa não pensa: transfere o que é seu.
A massa pede mão forte: terá o que quer.

Auto-sabotada, será controlada
Por leis estúpidas de sinistros fins
Que a meia dúzia de valentes
Não cessa de produzir.

A massa não pensa: transfere o que é seu.
A massa pede mão forte: terá o que quer.

A meia dúzia de valentes, por ora
Canta aos ouvidos da massa:
Seduze-a, suborna-a, entorpece-a; a massa retribui.
A meia dúzia comprou a massa: pouco custou.
E lhe moldará, molhada argila: como desejou.

A massa, de súbito, quererá reagir: será tarde.
A massa pediu mão forte: obteve o que quis.
A massa transferiu o que era seu.
A massa não pensou.

Valsa de elefante

Menos palavras últimas,
frases que esgotem assuntos:
valsas de elefante.

Mais empatia:
amar ao próximo
sem odiar ao distante.

Mais serenidade,
mais conversa boa,
mais bolo gostoso,
mais sinceridade,
mais alma leve,
mais inspiração.

Eu preciso, tu precisas, eles precisam, nós precisamos:
saber sorrir,
saber olhar,
saber sentir,
saber medir,
saber. Amar. Ser.

26/7/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente

Do escrever

Atingir a forma ideal,
ir à essência do ser
no ato mesmo de escrever:
leitura transparente.
Escrever por simular
alguém que não sou,
falsear a verdade,
e criar falsa impressão?
Emular em mim teatro,
ópera-bufa, dramalhão,
mambembe encenação?
— Não.
Tenha a escrita minha
sinceridade e pulsação,
letra pura e alma nua,
sem qualquer afetação.
Desafio pra uma vida,
eis aqui a decisão:
quem vier a ler minhas linhas
leia ali meu coração.