Define “medíocre”,
e crê que assim,
só por definir,
excluir-se-á
da definição.
Mas não consegue
humilde recuo,
medir a si mesmo
e afinar o tom.
Define “medíocre”,
e crê que assim,
só por definir,
excluir-se-á
da definição.
Mas não consegue
humilde recuo,
medir a si mesmo
e afinar o tom.
A cidade é uma caixa de brinquedos:
Cheia de pecinhas e bonequinhos.
Quem é o dono da caixa?
O dono mete a mão na caixa, bagunça as pecinhas,
chacoalha os bonequinhos.
E arruma de novo, pra mexer depois.
Do jeito que quiser.
(Há outros donos, de outras caixas.
Muitos nem mexem em suas caixas, e elas ficam lá.
São donos cujos pais são bem velhos.)
Às vezes, o dono da caixa de brinquedos
chama outros garotos pra brincar:
eles estragam pecinhas, perdem bonequinhos.
A cidade é essa caixa.
Quem é o dono da caixa?
O dono quis pôr a Natureza na caixa,
mas ela não coube.
Couberam pecinhas e bonequinhos, apertados.
A cidade é essa caixa.
Quem é o dono da caixa?
Homem gosta de mulher pelada porque é machista.
Mulher fica pelada porque é feminista.
Homem gosta de mulher pelada porque não a respeita.
Mulher fica pelada porque se respeita.
Homem gosta de mulher pelada porque é alienado.
Mulher fica pelada porque é engajada.
Homem gosta de mulher pelada porque é opressor.
Mulher fica pelada porque se libertou.
Motivações variam. O que nunca varia é mulher pelada.
23/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
SUSTO! Estaco.
Vulto cinza. A ordem:
– Passa rápido vai vai vai.
Oco e nada:
Sangue: some
Reflexo: congela
Pensamento: foge.
O braço, mecânico: entrega.
O vulto cinza: pegou correu sumiu.
Acabou? Acabou.
Pensamento volta.
. . .
Isto aconteceu? Aconteceu? Aconteceu.
Perdi. Dane-se o cálculo.
O tempo não volta.
Raiva ou alívio? Ódio?
Vontade de triturar carne e não existir.
. . .
O tempo não volta.
Deve estar rindo de mim, sei lá onde.
Venceu. Perdi.
O vulto cinza ganhou.
Não há porquê.
Estou vivo.
Aconteceu mesmo.
O tempo não volta.
21/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
Queria endireitar o mundo:
A menina que não para de falar
O pedinte sadio que não pensa em trabalhar
O moleque curioso que estica o olho pra ver o que escrevo
A história da senhora de cara sofrida:
Deve ter sofrido tanto nesta vida, meu Deus…
Queria endireitar o mundo:
A menina que não sabe se vestir,
Nem falar, nem rir com decência
O homem que não sabe o que é educação
E só pensa em dinheiro, dinheiro, dinheiro
Queria endireitar o garoto covarde, o jovem sem fibra
O religioso tagarela, o estudante burro, o imbecil orgulhoso
Queria extinguir a música feia, a cidade feia
E a esquisitice geral ao redor…
Queria endireitar meu caminho:
Pra não reparar, nem passar por isso.
Feliz e satisfeito, nunca ter tempo
De pensar em endireitar, amiúde
Tudo aquilo que não fosse eu.
20/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
Deito-me inerme na terra crua
E sujo-me com o pó de que fui feito.
Com os olhos fixados no alto céu,
Medito reflito e vejo a mim mesmo:
O quanto enganei-me vezes tantas
Ingênuo, envolvido em vã aparência
E vaidoso, qual Narciso na lenda
Apaixonei-me pelo lindo reflexo
E n’água profunda quase mergulhei…
. . .
Mas deitado, aqui, na terra crua
Na terra nua a qual ninguém valoriza
Retorno meu ser à condição inicial
E emulando antecipo o destino final
Na terra suja, estendido, me purifico
No húmus sagrado, relembro quem sou:
Do pó vim e ao pó tornarei
E desde aqui minha humildade advém:
Do santo solo, da terra absorvente,
Onde o grão morre e renasce
Onde a planta, tão mais se aprofunda,
mais firme se impõe…
. . .
Humilde enfim, e fitando o céu
Deito-me aqui, na terra
Sujo-me aqui, na terra
Para lembrar-me, sem vacilar:
Se humilde a Ele me humilhar,
No húmus deitado, a soberba deixar
Ele, desde esse chão me exaltará.
Eis o que o Amor Sagrado estabeleceu:
Humildade é, portanto, perder para ganhar,
Com Deus.
6/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
Desejo o acalento que acalme o coração.
Desejo o sopro da brisa, o bálsamo d’alma.
Desejo simples respostas qual flechas certeiras.
Desejo sentir que o necessário pra mim
Comigo se encontra desde que nasci.
Desejo humilde partir e íntegro chegar.
Desejo ser como a criança
E entrar no reino dos Céus.
Não me embaraceis!
5/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
Se eu ganhasse na Mega compraria uma mansão
Se eu ganhasse na Mega compraria um avião
Se eu ganhasse na Mega no estrangeiro ia morar
Se eu ganhasse na Mega só ia viajar
Se eu ganhasse na Mega seria alguém melhor
Se eu ganhasse na Mega vestiria Dior
Se eu ganhasse na Mega a vida eu curtiria
Continuaria medíocre
Mas ninguém descobriria.
5/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
Talvez a essência da poesia
Seja encontrar, sutilmente,
Imagem escrita que enriqueça,
Preencha a alma de sensações.
E assim impeça
A plastificação do viver.
Não somos máquinas:
É preciso lembrar.
Se a poesia tem alguma função?
Tem mil. Mas nem precisava.
Nós que precisamos dela.
5/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente
O brasileiro só vive em mau-trato,
Vem desde o nascer, desde o parto.
É xingo da mãe, do pai sopapo,
E se indagar, patada é no ato.
Cresce de tal modo violento e confuso,
Que quer se vingar num inimigo difuso:
Em qualquer um, mulato ou cafuzo —
Busca nisso algum alívio abstruso.
Vem lá de pequeno, este é o problema:
Só vê feiúra, envolto em dilema.
E se estragando neste sistema,
Sua vida não encontra um estratagema.
Ah, se o Brasil conhecesse a beleza!
Não o falso belo, mas a sutileza…
Cada qual criado sempre em gentileza,
Eis gente elevada, de delicadeza!
Seria possível que a dificuldade
Se superaria e a necessidade,
Com uma só dose de boa vontade,
Lugar daria à felicidade.
5/7/2014
Publicado originalmente no blog Letra Nascente