Minoria de um só

Sou de uma minoria:
Minoria de um só
Minoria, tão menor
Não é nem categoria

Unitário e recolhido
Dispenso inclusão
Quanto mais fora, melhor
Sou avesso à adesão

Reivindico minha mente
Ideologia sem par
Passo longe toda vida
De batalha popular

Militante ou ativista
Em nada disso me espelho
Hastear bandeira, nunca
Destes grupos de vermelho

Minha política é sossego
Minha paz, paz mundial
Solidão, minha utopia
Incoletiva pessoal

Viação gerúndio

Eu “podia” estar roubando!
Eu “podia” estar matando!
– Não, seu moço, não podia!
Não, não diga essa bobagem
Ponto a ponto, todo dia
Pode até vender produto
Toda sua mercadoria
Roubo, morte, não é pra tanto
Coisa boa há, todavia
Pense bem, por um instante
No seu lugar, eu faria
Quem sabe um dom escondido?
Talvez escreva poesia…

Vexame

O meu vexame
Teve platéia:
Fui humilhado
Diminuído
Devido à troça
Da patuleia

Hoje, ao revés,
Tanta vergonha
Dantes, tristonha
Desobrigou-me
Doutros agradar

Expectativas?
Sinto-me livre
Plenamente livre
De tamanho fardo
Pesado levar

Por meu ridículo
Mil satisfações
Ao gosto alheio
Hoje não mais
Tenho a prestar

De início, humilhou-me
No meio, mudou-me
Ao fim, libertou-me
O meu vexar

Noturno

Para nós, a sós
inexiste o tempo:
medível, contável

Há tão-somente
suave mistério
incontrolável

Possuímos parte
da eternidade
em movimento

Não temos forma:
somos ar, somos gás
liquefazemos

Não somos dois:
somos, apenas
acontecemos

Pura presença
verbo e luz
auto-existente

Sangue pulsante
semi-sufocante
em nós latente

Há algo agora
que não se pode
denominar

Falta-nos termo:
chamemos de amor
chamemos de amor
só por nominar.

A Fabiane Maria de Jesus

Numa tarde comum Fabiane saía
e só pedalando, em nada pensava.
Singela e tranqüila, quem imaginaria?
Grande tragédia por ela esperava…

Lá pelo bairro sorria e acenava,
em lúdica andança. Ela não cuidava
que algo tão simples desencadearia
tal bárbara horda, que a vitimaria.

Quando uma fruta, inocente, ofertava
a um pequeno, assim deflagraria
a fúria de bárbaros, que lhe assassinava.

Com ódio monstruoso, a turba imolava
a moça indefesa. E a quem não merecia,
o bem mais precioso, sua vida, doava.

Massa nacional

Meia dúzia de valentes
manobram a massa nacional
E em vilania, projetam domínio
De abrangência clara e geral.

A massa não pensa: transfere o que é seu.
A massa pede mão forte: terá o que quer.

Auto-sabotada, será controlada
Por leis estúpidas de sinistros fins
Que a meia dúzia de valentes
Não cessa de produzir.

A massa não pensa: transfere o que é seu.
A massa pede mão forte: terá o que quer.

A meia dúzia de valentes, por ora
Canta aos ouvidos da massa:
Seduze-a, suborna-a, entorpece-a; a massa retribui.
A meia dúzia comprou a massa: pouco custou.
E lhe moldará, molhada argila: como desejou.

A massa, de súbito, quererá reagir: será tarde.
A massa pediu mão forte: obteve o que quis.
A massa transferiu o que era seu.
A massa não pensou.

Valsa de elefante

Menos palavras últimas,
frases que esgotem assuntos:
valsas de elefante.

Mais empatia:
amar ao próximo
sem odiar ao distante.

Mais serenidade,
mais conversa boa,
mais bolo gostoso,
mais sinceridade,
mais alma leve,
mais inspiração.

Eu preciso, tu precisas, eles precisam, nós precisamos:
saber sorrir,
saber olhar,
saber sentir,
saber medir,
saber. Amar. Ser.

26/7/2014


Publicado originalmente no blog Letra Nascente